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Acampamento Terra Livre: 12 anos de Resistência

terça-feira 11 janeiro 2011 - Filed under Notícias do MST Rio

Mariana Cutis, Acampada do Terra Livre e estudante de geografia do MST em parceria com a Unesp

Terra Livre

A Fazenda da Ponte ou Sobrado foi ocupada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no dia 06 de Março de 1999 com cerca de 60 famílias, dando origem à atual Comunidade Terra Livre. Este nome foi escolhido devido à existência de trabalho escravo na área ocupada.

Parte das famílias organizadas para a ocupação eram constituídas de trabalhadores vindos da zona urbana, das cidades de Barra Mansa e Volta Redonda na mesma região do acampamento e a outra parte tem como origem a Baixada Fluminense. Mulheres e homens da periferia do Rio de Janeiro, que desempenhavam serviços de pedreiro, carpinteiro, empregadas domésticas e camelôs entre outras. Porém, maioria tem suas raízes na roça, que devido a falta de estrutura e incentivo para permanecerem no campo, foram estimulados a se deslocarem para a zona urbana em busca de melhores condições de vida. A intenção era conseguirem através de emprego em fábricas e comércio nos grandes centros urbanos (como foi o caso de muitos que vieram para Barra Mansa e Volta Redonda na época de implantação da CSN). Entretanto, a não realização dessas expectativas levou essas pessoas a buscarem novas alternativas de sobrevivência, impelindo-as a participarem do movimento e aderirem a luta pela terra.

Essas pessoas são originárias de diversos estados brasileiros, que vieram para essa região por ser um grande pólo industrial do estado, fortalecendo o processo de migração ocorrido no país e enfrentando vários tipos de dificuldade para aqui se estabelecerem.

Como as famílias do acampamento Terra Livre estavam vivendo na terra, tinham a necessidade de desenvolver uma produção mínima de alimentos para garantir o seu sustento. Esse processo ocorria paralelamente ao andamento do processo jurídico de desapropriação da fazenda. Após a saída do arrendatário que residia na fazenda, foi decidido pela expansão do acampamento para produzir alimentos, mesmo sem a definição do INCRA, visto que este não demonstrava interesse político para realizar a Reforma Agrária. Em assembléia, foi decidido repartir a terra entre as famílias para produzirem e terem um domínio maior sobre as terras da fazenda.

Terra Livre1

Seguindo a organicidade assumida pelo conjunto do MST, a comunidade foi organizada em três núcleos de famílias, por proximidade de moradias abrangendo uma média de 11 famílias por núcleo, onde eram realizados estudos e distribuíam-se tarefas internas e externas ao acampamento e a participação nas demais instâncias do movimento como a organicidade prevê. Para garantir a organicidade construiu-se, de maneira participativa, o regimento interno da comunidade a fim de estabelecer regras se funcionamento e convivência e garantir a participação de todos.

Esse regimento trata de assuntos como o compromisso que a comunidade assumiu com a produção agroecológica, por exemplo, evitando assim que uma pessoa que viesse
a chegar depois introduzisse outro modelo de agricultura e estabelece algumas normas que contribuem na convivência diária dos acampados. Em seu ponto 5 sobre a organização da produção, o regimento traz o seguinte texto:

  • Toda comunidade agrícola que se organiza na luta pela terra e pela reforma agrária, quando a terra conquistada, deverá cativar o apoio da sociedade com a produção de alimentos sadios, com o zelo e o embelezamento da comunidade;
  • Para o desenvolvimento da produção familiar, cada família da comunidade possui uma área de tamanho limitado nas terras de baixada da fazenda;
  • A área familiar destinada à produção agrícola deverá estar no mínimo 60% trabalhada. (Regimento interno, p.3)

Há também pontos que tratam da preservação das nascentes da comunidade como ponto fundamental de resistência e de melhoria de vida. O ponto 7 é sobre o uso da água e diz que

  • A água é um bem natural da comunidade, e por isso ela deve ser cuidada e preservada;
  • Cada núcleo se responsabilizará pela sua água, como conservar e garantir para suas famílias;
  • O núcleo fica responsável pela manutenção da rede coletiva;
  • Cada família fica responsável por sua rede individual, com liberdade de transitar nos lotes vizinhos onde passar a rede. Deve haver o respeito. (Regimento interno,p.4)

Para garantir a permanência na terra, além dos conflitos com o fazendeiro, é preciso travar uma luta com o poder jurídico, no sentido de provar a legitimidade da ocupação, mostrando que a terra não cumpre sua função social e por isso deve ser desapropriada para fins de Reforma Agrária. Entre as muitas frentes de luta para se conquistar a terra, está também a necessidade de ganhar a confiança da sociedade local, uma vez que o próprio sistema no qual vivemos não permite a organização dos trabalhadores para lutarem por seus direitos, discriminando e marginalizando as organizações populares.

Ao se depararem com esse quadro, os trabalhadores e trabalhadoras do Terra Livre sentiram a necessidade de implementar, na comunidade, condições de resistência que permitisse a fixação das famílias na terra enquanto lutavam pela desapropriação da fazenda. Essas condições de resistência se deram na comunidade no sentido de fortalecer a organização, desenvolver a produção, preservar e recuperar a propriedade e mobilizar novos trabalhadores sem-terra, devido à necessidade acumular forças na luta pela terra. O início da produção foi pensado coletivamente avaliando sua importância estratégica no acúmulo de forças junto à sociedade no entorno, como traz o documento que sistematiza a experiência do acampamento no que diz respeito ao uso do solo:

Mas para produzir em terras brutas, cobertas por pastagens, compactada pelo pisoteio do gado e com poucos recursos disponíveis, foi preciso que os trabalhadores do acampamento buscassem uma nova alternativa de produção, um modelo tecnológico que se compatibilizasse com tal situação. Diante dessas dificuldades, foi realizado um processo contínuo de observação e uso do espaço da fazenda, buscando aos poucos e com poucos recursos o restabelecimento do agroecossistema na comunidade e a sobrevivência das famílias. Assim, os agricultores optaram pelo cultivo de hortaliças agroecológicas nas áreas mais planas e pela criação de gado nas áreas de relevo mais elevado.

Uma outra grande conquista da comunidade foi o reconhecimento da escola como municipal logo nos primeiros meses de acampamento. Assim, a prefeitura sempre se responsabilizou com o andamento da escola fornecendo material escolar, merenda e há oito anos também mantendo uma professora concursada do município dando as aulas para as crianças do primeiro segmento do ensino fundamental. Após esse período a prefeitura mantém uma condução que busca as crianças do acampamento para levar à escola na cidade de Resende.

Com o passar do tempo e a demora na desapropriação, várias famílias desistiram da luta. As famílias que permaneceram sentiram a necessidade de reestruturar o acampamento. Neste sentido, mantiveram a comunidade organizada em núcleos e criaram uma associação que pudesse representá-las juridicamente na região. A APRATEL (Associação dos Produtores Rurais do Assentamento Terra Livre) tem 21 associados, tendo um papel importante no estabelecimento das relações da comunidade com órgãos e entidades na elaboração de projetos que beneficiem o acampamento.

RELAÇÕES POLÍTICAS

O acampamento Terra Livre se constitui em um momento em que a conjuntura política não está favorável aos movimentos sociais. O governo FHC iniciava seu segundo mandato e a relação com os movimentos já se encontrava bastante desgastada.

A ocupação se deu de forma pacífica e a fazenda encontrava-se em situação que favorecia muito a realização do assentamento, pois já tinha havido denúncias anteriores de existência de trabalho escravo, tendo inclusive o proprietário ido preso uma vez por esse motivo. Além disso, a fazenda ainda encontrava-se arrestada pela União por conta de dívidas da família com o governo.
Assim, a fazenda atendia a todos os critérios citados na constituição federal para que se destinasse à reforma agrária, na ocasião da ocupação a família não exercia qualquer atividade no local, a fazenda estava arrendada para uma pessoa que tinha gado leiteiro, mas abaixo do índice de produtividade.

Diante desse quadro a esperança de que o assentamento sairia logo era grande, porém essa conjuntura nacional com relação ao governo e sua política de reforma agrária ficou bem clara, os anos foram passando, as famílias foram se organizando por conta própria, e o que parecia ser tão certo e breve estava demorando demais pra acontecer.

Durante todo o 2º mandato do governo FHC as famílias se mantiveram organizadas e na luta fazendo pressão junto ao INCRA para que saísse o assentamento. Nesse período as famílias se organizaram espacialmente na fazenda e começaram a produzir e comercializar os produtos na cidade de Itatiaia que faz divisa com o acampamento. Essa organização própria e a relação com a cidade foi mostrando cada vez mais que o local era totalmente adequado para a realização do assentamento no que diz respeito à sustentação das famílias que ali vivem trabalhando na terra, pois mesmo sem o assentamento e os créditos a que tem direito um assentado, as famílias conseguiam produzir seu próprio alimento e comercializar o excedente mantendo as demais necessidades da família.

No ano de 2002 com o fim do governo FHC e a eleição do presidente Lula as esperanças se renovaram nas famílias de que seria essa a oportunidade de avançarmos para a implantação do assentamento que há quatro anos já se arrastava. O primeiro mandato se passou e tudo continuou como sempre.

Atualmente, das trinta e cinco famílias que moram no acampamento somente vinte e duas delas estavam na ocupação da fazenda. O processo da área na justiça continua rolando, porém sem muitos avanços. Como existe no processo contra a família proprietária um processo do sindicato dos trabalhadores rurais que defende os interesses dos trabalhadores e trabalhadoras que foram lesados durante anos no que diz respeito às leis trabalhistas, qualquer acordo que possa ser feito para resolver a situação do Terra Livre precisa contemplar a questão do montante da dívida da família de maneira que contemple os trabalhadores lesados e os acampados. Assim, o processo anda a passos lentos, aparecendo novos empecilhos a cada audiência e deixando cada vez mais longe a possibilidade de legalizar a área como um assentamento.

Assim, no dia 06 de março do ano de 2011 o acampamento completa seus 12 anos desde a ocupação e infelizmente não há mais a esperança de ver a situação resolvida por parte do INCRA. A comunidade passa por problemas organizativos, mas mantém a relação com o entorno através da venda de produtos agroecológicos e se mantém na resistência para que possam permanecer na área e viver de seus lotes.

Terra Livre: Venceremos !!!!!!

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2011-01-11  »  alantygel

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