Content

Site do boletim do MST do Rio de Janeiro

Entrevista: “A reforma agrária no Rio de Janeiro está parada”

quarta-feira 5 junho 2013 - Filed under Notícias do MST Rio

DSCF6822

O Boletim do MST RJ entrevista Nivia Silva, da coordenação estadual do MST no Rio de Janeira, e Fernanda Vieira, advogada do Centro de Assessoria Jurídica Popular Mariana Criola. O tema é o atual estado da reforma agrária no estado do Rio de Janeiro. E as duas são taxativas: “A reforma agrária no RJ está parada.” Nivia e Fernanda comentam sobre a situação da usina Cambahyba, sobre os órgãos que têm travado a reforma agrária no estado e afirmam em relação à opção do governo: “Há uma priorização ao agronegócio da cana, soja, pecuária e eucalipto.”

Confira a entrevista:

Como o MST vê o andamento da Reforma Agrária no Rio?
A reforma agrária no Rio de Janeiro está parada. Não há desapropriação de terras desde 2007. Os acampamentos permanecem longo período debaixo da lona, como 05, 06, 10 anos até sair processo de assentamento. Percebemos dificuldade do INCRA em realizar vistorias para novas áreas. Os assentamentos necessitam suprir suas demandas, principalmente na área de infraestrutura como estradas, água, saneamento básico etc.

Nos últimos anos o governo realizou cortes no orçamento da reforma agrária, o que tem contribuído na dificuldade das desapropriações e o desenvolvimento dos assentamentos rurais, paralisando a reforma agrária. Isso também reflete no estado do Rio de Janeiro. Há uma priorização ao agronegócio da cana, soja, pecuária e eucalipto, e outros que produzem em grande escala, em grandes propriedades.

Quantas famílias acampadas existem hoje no RJ?
600 famílias.

Há quanto tempo não temos um assentamento no RJ? Qual foi o último?
Desde 2008 não há novos assentamentos no estado. o último foi o Assentamento Chico Mendes em Cardoso Moreira, em 2007.

Como está a situação da desapropriação da Cambahyba?
Nesse momento está parada no judiciário. Após 13 anos aguardando que o judiciário federal finalmente reconhecesse o óbvio: de que se tratava de um latifúndio improdutivo, possibilitando assim que o INCRA entrasse com a ação de desapropriação, os dois juízes de campos ao receberem a ação de desapropriação se julgaram incompetentes, fazendo com que a definição de quem será o órgão julgador seja do Tribunal Federal. Com isso o processo de desapropriação, que por lei possui rito sumário, o que significa um processo mais célere, acabará mais lento, revelando um total descompromisso do nosso judiciário com a efetivação dos comandos constitucionais, que impõe a reforma agrária como uma política pública a ser cumprida como forma de se garantir a dignidade e a justiça social para as muitas famílias de trabalhadores rurais sem terra.

Qual papel dos três órgãos que o MST pressionou durante a jornada de luta de 2013 (Incra, Inea, TRF)?
O INCRA é a autarquia que realiza a reforma agrária. Por lei é o INCRA a autarquia que deve estabelecer se uma propriedade é ou não produtiva, se é ou não uma grande propriedade passível de reforma agrária. No entanto, esse papel vem sendo reduzido por uma ação incisiva do judiciário em atendimento às demandas dos proprietários rurais que em muitos casos entram na justiça requerendo o impedimento do procedimento administrativo, fazendo com que o processo inicial de vistoria para a verificação do cumprimento da função social, logo, do interesse do executivo federal em desapropriar seja logo de plano paralisado.

Um outro nó no processo de desapropriação está no INEA, que é o órgão estadual de controle ambiental. Para que o INCRA possa iniciar o projeto de assentamento é necessária a licença concedida pelo órgão ambiental. Se para os grandes empreendimentos essa licença é concedida de forma rápida, quando se trata de famílias de trabalhadores rurais sem terra o que se percebe é uma lentidão atrasando ainda mais o já lento processo de desapropriação. Daí a importância da pressão ao INEA realizada nessa jornada pelas famílias para que haja o reconhecimento do órgão ambiental de que assentamentos rurais, cuja proposta está em garantir a agricultura familiar de forma orgânica, não sejam entendidos como uma atividade lesiva ao meio ambiente.

Por fim, a pressão ao TRF. Temos uma percepção de que na última década o Judiciário assumiu um papel relevante no atraso e mesmo impedimento da reforma agrária. Para que se tenha uma ideia, a Lei Complementar n 76 de 1993, que regulamenta o procedimento de reforma agrária, estabelece que cumprindo todos os requisitos necessários para dar entrada na petição inicial, dentre eles o levantamento do TDAs, o INCRA pode requerer a imissão de posse provisória, o que já permitiria o início do plano de assentamento. Ainda pela lei, o juiz deve em 48 horas após o pedido do INCRA imiti-lo na posse. No entanto, não é isso o que se verifica no concreto, que em muitos casos apresenta uma media de 1 ano ou mesmo 2 anos para que o juiz garanta a imissão de posse do INCRA. Por essa razão, por percebermos o atraso que o judiciário vem promovendo na Reforma agrária é que nessa jornada não só conversamos com o Presidente do TRF, como com a Corregedoria para que houvesse uma sensibilização de que a se manter esse quadro, o judiciário será um grande gestador da violência no campo.

Qual a necessidade da reforma agrária hoje no estado?
Total. O Rio de Janeiro possui uma enorme concentração populacional nas áreas urbanas. Com isso é possível se perceber as perversidades dessa lógica que expulsa cada vez mais famílias do meio rural para os grandes centros. Em 2005, o IBGE (PNAD) apresenta dados que colocam a região sudeste como a maior região em números absolutos de domicílios vagos com o total de 3.117.713, nesse mesmo período o Brasil possuía o número de 6.736.404 de domicílios vagos. Mas esse processo é altamente seletivo e atinge de forma perversa as pessoas de menor renda. De acordo com a Fundação João Pinheiro em 2005 o déficit Habitacional no Brasil por Renda Familiar em Salários Mínimos informava a faixa até 3 salários mínimos abarcava 90,3% do déficit de moradias, no entanto, para a faixa de renda superior a 10 salário minimos o percentual cai para 0,8%. Com isso, torna-se claro porque o IBGE em 2010 nos alerta para o fato de que 11 milhões de pessoas vivem em favelas. As consequências são visíveis no processo de apartação da população pobre que acaba sem nenhum direito fundamental estabelecido na Constituição como saúde, educação, moradia, trabalho, terra, transporte, saneamento básico.

A reforma agrária é fundamental para o processo de desconcentração da população urbana e com isso permitindo uma intervenção mais racionalizada do poder público na efetivação das políticas públicas, garantindo-se com isso o acesso aos direitos fundamentais, dentre eles à terra.

2013-06-05  »  alantygel

Talkback

  1. Boletim 49 | Boletim do MST Rio
    5 junho 2013 @ 1:04

    […] Entrevista: “A reforma agrária no Rio de Janeiro está parada” […]

Share your thoughts

Re: Entrevista: “A reforma agrária no Rio de Janeiro está parada”







Tags you can use (optional):
<a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>