MPA reivindica legislação sanitária adequada à agricultura camponesa em audiência no ES
quarta-feira 11 julho 2012 - Filed under Notícias do Brasil
“Não é o camponês que tem que se adequar a uma lei imposta e insensível à produção camponesa, é a legislação que tem que se adequar a realidade do campesinato”, afirmou Clóvis Conte, da coordenação do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) de São Gabriel da Palha, durante audiência pública que discutiu a apreensão de produtos oriundos da agricultura camponesa, nesta segunda-feira (02/06) em São Gabriel da Palha-ES. O debate contou com a participação de 350 camponeses e camponesas de toda a região norte do estado.
O questionamento do camponês é baseado no fato ocorrido no final de maio (29/05), quando produtos do Mercado Popular de Alimentos foram apreendidos pelo Ministério de Agricultura, Agropecuária e Abastecimento (MAPA), ao defenderem que os alimentos não estavam sendo comercializados de acordo com as exigências da legislação sanitária.
Cerca de 30 litros de cachaça, 20 litros de vinho de jabuticaba e 200 kg de poupa de frutas foram lacrados e armazenados no depósito do mercado, e impossibilitados de serem vendidos pelos camponeses. Alguns produtos, ainda lacrados, foram expostos na mesa de debate e apresentados como símbolo de resistência do movimento. “Lacre é o nome legal, para nós são algemas colocadas nas mãos dos camponeses que nos impedem de trabalhar, produzir e reproduzir sua cultura”, provocou Clóvis.
Os níveis de exigência da legislação sanitária, segundo Raul Karuser, da coordenação estadual e nacional do MPA, acaba impedindo a comercialização dos produtos das pequenas e mini agroindústrias camponesas, por não reconhecerem a forma como são produzidos os alimentos oriundos da agricultura camponesa. “Exigimos uma legislação que dê conta de reconhecer as iniciativas de mini agroindústrias, que trabalham com um conceito de produção coletiva, gerando renda para as famílias e movimentando o comércio local, ao mesmo tempo em que valorize a cultura popular e os saberes tradicionais das comunidades rurais”, cobrou o camponês.
Para Raul, a legislação não pode ser embasada no lobby das grandes redes varejistas e dos grandes abatedouros de carne do estado. “Não defendemos uma produção desregulamentada, sem controles, mas isso não significa que tenhamos que ter uma legislação imposta, baseada na realidade das grandes produções. Reivindicamos uma legislação específica e adaptada a realidade da pequena produção da agricultura camponesa, para continuarmos produzindo alimentos saudáveis, ao nosso modo, sem uso de venenos e químicas, com respeito a nossa cultura”, pontuou Raul.
De acordo com o deputado estadual Cláudio Vereza, requerente da audiência a pedido do MPA, a grande indústria não está preocupada com a saúde e a produção limpa de alimentos, diferente do Movimento dos Pequenos Agricultores, que sempre esteve preocupado com a saúde da população, ao produzir alimentos saudáveis. “É para essa grande indústria que a legislação precisa ser dura, pois se utiliza de trangênicos, venenos e químicas na produção de alimentos”, questionou o parlamentar.
Camponeses prejudicados
“Se eu colocar conservantes e soda cáustica em minhas polpas, eu poderei comercializar meus produtos?”, questionou José Tarcízio Damasceno, camponês de São Gabriel da Palha, que foi prejudicado pela ação do MAPA. O pequeno produtor, que sempre teve em sua base econômica a produção de café, passou a diversificar sua produção com o cultivo de fruticultura para ficar menos vulnerável aos momentos de crise da cafeicultura e ampliar a renda da família.
Com a abertura do mercado popular, começou a comercializar polpas de frutas produzidas em sua propriedade com o envolvimento de toda a família em todo o processo de produção. Com a apreensão de sua polpa pelos fiscais do MAPA, o produtor diminuiu a produção e a renda familiar.
Intervenções nos comércios locais
Intervenções da vigilância sanitária, Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (IDAF) e policia civil também foram realizadas em pequenos comércios e açougues da região, gerando uma situação de vulnerabilidade e insegurança nos pequenos açougueiros e pequenos comerciantes.
“Foi um ato terrorista, deixou pequenos comerciantes traumatizados e com medo de comercializarem seus produtos”, afirmou o Clóvis, ao relatar depoimentos de comerciantes que alegaram terem sido abordados com armas de grande porte apontadas para suas cabeças e transportados em viaturas de polícia, até as delegacias da região.
O representante da Superintendência Federal da Agricultura do MAPA, Luiz Guilherme Barbosa, considerou a ação no mercado popular de alimentos lamentável e reconheceu o exagero na forma como se deu a intervenção nos comércios locais. Segundo o secretário, a ação não partiu do MAPA, mas do Ministério Público.
Apesar das considerações, Luiz Guilherme não questionou a legislação e afirmou que o caminho para solucionar a situação de instabilidade nos comércios locais é a regularização da produção dos pequenos agricultores e criadores, e não a adequação da legislação à realidade camponesa. “Precisamos de um sistema de adesão da inspeção municipal e estadual à inspeção federal”, defendeu.
Encaminhamentos
A audiência encaminhou uma agenda entre o governador do estado, Ministério Público, MAPA e MPA para tratar o tema da audiência e outras pautas relativas às reivindicações da Jornada Nacional de Luta Camponesa, realizada no final de maio, que ainda não foram encaminhadas. A nível do legislativo, foi proposto pela deputada estadual Luci Choinaki (PT-SC), uma audiência em Brasília, de caráter nacional, para discutir uma legislação específica para a agricultura camponesa.
Também foi sugerido a criação do Fórum Municipal, com posterior criação do Conselho Municipal, com o envolvimento de todas as entidades que atuam na agricultura camponesa, para a elaboração de um projeto de lei municipal específico para a legislação sanitária do município; além da regulamentação e cadastramentos dos camponeses ao Sistema de Inspeção Municipal (SIM).
Também esteve entre os encaminhamentos, o acompanhamento do processo de regulamentação da lei estadual sobre inspeção e vigilância sanitária com vistas a adequá-la para as especificadades da agricultura camponesa.
Por fim, ficou decidido entre os camponeses e camponesas presentes, o retorno da comercialização dos produtos apreendidos. A decisão teve a adesão do deputado estadual Henrique Vargas (PRP-ES), que presidiu a audiência. “Estamos juntos com vocês na mesma luta, se forem prender vocês, iremos com vocês juntos nas delegacias e nos prenderão também”, comprometeu-se o deputado.
O debate foi realizado pela Comissão de Agricultura, de Silvicultura, de Aquicultura e Pesca, de Abastecimento e de Reforma Agrária, da Assembléia Legislativa do Espírito Santo – Ales, e contou com a participação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Organização das Cooperativas do Brasil (OCB-ES), Regional das Associações dos Centros Familiares de Formação em Alternância do Espírito Santo (Racefaes), Conselho Estadual de Segurança Alimentar (Consea), O Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), Raquel Lessa, prefeita de São Gabriel da Palha, Secretaria de Agricultura do município, mandato da senadora Ana Rita (PT-ES), vereadora Regina Cerri Zottele (PT) entre outros vereadores da região.
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Produzido pela comunicação do MPA
2012-07-11 » alantygel