Content

Site do boletim do MST do Rio de Janeiro

Agroecologia e Reforma Agrária na base da construção de uma outra sociedade

quarta-feira 9 fevereiro 2011 - Filed under Artigos

por Ciro Correia
Fragmentos extraídos do texto: “ O MST em marcha para agroecologia: Uma aproximação à construção Histórica da Agroecologia no MST”, 2007

Agroecologia

A luta pela reforma agrária e agroecologia possuem características de resistência e superação ao modelo hegemônico de agricultura e sociedade como um todo. A democratização do acesso a terra e aos recursos naturais é condição básica para refundar a sociedade brasileira sob os pilares da democracia, distribuição da renda, trabalho e poder. Com o enfoque agroecológico, a reforma agrária passa a ser instrumento de transformação do modelo agrícola, alterando a concepção produtivista, mecanicista e quimicista da agricultura. Aponta, igualmente, para a construção de novas relações sociais e da relação ser humano-natureza alicerçada nas premissas da sustentabilidade sócio ambiental.

Portanto, a reforma agrária e a agroecologia devem ser pautadas não na perspectiva de resolver os problemas do modelo de sociedade hegemônico nesse momento histórico, mas sim ser a base para a criação e consolidação de outro modelo de sociedade, com base na solidariedade, justiça sócio ambiental, na promoção da equidade, respeito e valorização das culturas, etnias e estabelecimento de novas relações de gênero e gerações.

Para que a agroecologia tenha força e consistência para fazer o enfrentamento e superação do modelo convencional de agricultura, é fundamental que os movimentos sociais do campo assumam-na enquanto estratégia de luta. Isso implica em postura de exigência e contribuição com a formulação de políticas públicas que venham de encontro com as estratégias de promoção da agroecologia e que trabalhem na perspectiva de alianças concretas com movimentos urbanos e grupos de consumidores aliados à reforma agrária e agricultura camponesa.

O marco institucional brasileiro em que são realizados os assentamentos e as políticas de desenvolvimento dos mesmos tem se mostrado extremamente frágeis e insuficientes. Para que a reforma agrária pudesse ter enfoque agroecológico seria fundamental ter políticas estruturantes que incluíssem, no mínimo: capacidade de planejamento territorial, estabelecimento de infraestrutura básica de estradas, energia, água potável, moradia digna, saneamento, garantia dos direitos e acesso a serviços elementares como saúde, educação, cultura, previdência social, entre outros. No aspecto da produção é fundamental repensar o caráter parcelário da reforma agrária, criando as condições para motivar as famílias à buscarem a concessão de uso coletivo da terra, e o planejamento do assentamento enquanto agroecossistema integrado como um todo. Políticas apropriadas de crédito subsidiado e de longo prazo, o incentivo à cooperação, às praticas de bons manejos dos recursos naturais, o acesso e constituição de agroindústria de gestão dos trabalhadores, a inserção em mercados locais e regionais, assistência técnica de qualidade, garantia de preços justos, com seguro e garantia de renda às famílias, garantia de comercialização, recomposição do passivo ambiental, etc, são questões básicas estruturantes que devem de estar no conjunto de ações prioritárias da política de reforma agrária.

Pensar a agroecologia e reforma agrária na dimensão nacional requer compreender as distintas realidades locais e ter estratégias adaptadas de acordo com as diversidades encontradas, tanto para lutar por políticas publicas que fortaleçam essas propostas, assim como construir estratégias de atuação que dialoguem com as realidades.
fortaleçam essas propostas, assim como construir estratégias de atuação que dialoguem com as realidades.

No Brasil, a “Revolução Verde” foi implementada por ‘manchas” ou seja, em determinadas regiões com maior ou menor grau de incidência. Isso permite afirmar que existem diversas localidades em que a “modernização” da agricultura não ocorreu ou se deu em pequena dimensão. Nesses locais não é necessário passar pela revolução verde para depois fazer a transição, precisamos considerar espaços protegidos, valorizando as praticas existentes e através do debate e troca de experiências amplia-las com os conhecimentos desenvolvidos pela agroecologia nos últimos anos.

Já nas áreas e regiões onde a “revolução verde” devastou a biodiversidade e os saberes camponeses, é fundamental construir estratégias de transição de modelo tecnológico, buscando a recomposição do ambiente, o resgate e reconstrução dos conhecimentos camponeses. Para isso é importante ir reforçando a partir de praticas concretas os elementos que diminuem a dependência e aumentam a autonomia dos camponeses na construção da agroecologia.

Em ambas as situações é fundamental pensar a reforma agrária agroecológica a partir de estratégias que sejam coerentes com a necessidade de produzir alimentos diversificados, com policultivos, integração da produção agrícola e animal e que busquem primeiramente promover a segurança e soberania alimentar das famílias camponesas e a garantir o manejo sustentável dos recursos naturais e a oferta de alimentos saudáveis para as populações urbanas.

No atual contexto de lutas sociais no campo e de promoção de políticas de desenvolvimento, a reforma agrária brasileira tem sido tratada como políticas de compensação e amenização dos conflitos sociais, portanto não chegando a se configurar enquanto política de desenvolvimento. Os assentamentos tem sido respostas do governo quanto as pressões e lutas dos movimentos sociais e estão inseridos e subordinados há uma lógica de desenvolvimento que não dialoga com a estratégia de desconcentração da terra, produção diversificada e saudável de alimentos e acesso aos mesmos pelas camadas mais pobres da sociedade. Ao contrário, os assentamentos tem sido realizados na perspectiva de se incorporarem ao modelo hegemônico de agricultura reproduzindo a mesma lógica de organização da produção, subordinada as industrias e com baixíssimo valor agregado ao trabalho no campo.

Ao MST existem enormes desafios para conceber e lutar pela implementação de políticas de reforma agrária que tenham por base a agroecologia. Porem, também é de fácil entendimento de que um movimento social, com a organicidade e dimensão do MST, tem muito a contribuir com a construção da agroecologia, pois traz o elemento político muito fortemente, com a reflexão ampla quanto aos grandes desafios de mudança do modelo agrícola e de organização das forças populares, ajudando a romper com o conhecido “localismo” em que muitas organizações e experiências agroecológicas se encontram e nelas se isolam.

O MST tem gradativamente incorporado e elaborado proposições que apontem e constribuam para a construção da agroecologia. Nesse sentido, entendo que o esforço aqui realizado para construir essa aproximação a trajetória histórica do Movimento em relação a agroecologia é necessário e importante para contribuir com a reflexão coletiva quanto as circunstancias e desafios vivenciados e que fazem a realidade dos assentamentos no dia a dia.

Em alguns assentamentos que o MST está organizado, muitas iniciativas estão em curso no sentido de encontrar alternativas para romper com essa dominação do modo capitalista de produção e resgatar a capacidade de autonomia e valorização da agricultura camponesa. Mesmo assim, percebe-se que o modelo convencional de agricultura promove a disputa político ideológica e econômica da forma de organizar os sistemas produtivos nos assentamentos, estando presente no dia a dia da vida das famílias assentadas e sendo reproduzido em mais diversos níveis. Esse modelo convencional de agricultura se manifesta pelas monoculturas, abandono da produção de alimentos para a segurança e soberania alimentar, arrendamento de terras para as industrias, etc.

A caminhada do MST nos mostra que é possível e necessário pensar a agroecologia enquanto estratégia de desenvolvimento para o campo e a sociedade como um todo, tendo forte característica política, e que não seja apenas possibilidades de respostas difusas para a crise da agricultura e sim seja estratégia de enfrentamento e superação ao atual modelo agrícola e que esteja fortemente embasado na qualidade de vida da população do campo e da cidade, comprometida com o resgate e valorização de conhecimentos camponeses, com o fortalecimento de processos sociais solidários e no conhecimento e respeito às distintas formas de vida.

O MST e a agroecologia são frutos de um mesmo processo histórico de lutas de resistência e superação ao modelo hegemônico de dominação imposto pelo capital que exclui socialmente e degrada e destrói ambientalmente. No Brasil, surgem fortemente articulados entre as lutas locais de libertação e leitura critica da realidade, pautadas no enfrentamento na perspectiva de lutas maiores, de projeto de sociedade.

A partir da falência e completa inviabilidade do modelo agroindustrial, implementado também na agricultura camponesa e nos assentamentos de reforma agrária, o MST associa a luta pela terra com a luta e defesa da agroecologia e gradativamente incorpora a elaboração estratégica sobre o tema, buscando construir propostas e ações concretas que viabilizem a implementação de matriz tecnológica e produtiva baseada na diversificação da produção, no uso sustentável dos recursos naturais e sob novas formas de relações sociais e concepção ambiental. Este é um processo que está em curso, ainda principiante e com muitas contradições e resistências dentro do Movimento, mas que, sem dúvida, é um elemento novo e motivador para o conjunto do movimento agroecológico do Brasil.

Pela envergadura e dimensão que o MST possui, suas iniciativas na agroecologia trazem forte contribuição ao conjunto de outras entidades e reforça e incrementa iniciativas que estão em curso, contribuindo também decisivamente para a concepção e proposições de políticas públicas com base na agroecologia. Destaca-se no MST a dimensão dos inúmeros cursos e educandos que estão envolvidos, nas proposições sobre temas como agrobiodiversidade e pesquisa agroecológica, campanha resgate sementes crioulas e nas centenas de experiências locais sob as mais diversas situações.

No atual período, em que o modelo hegemônico do capitalismo se alastra e impõe suas perversas conseqüências sociais e ambientais para o conjunto da sociedade, é imprescindível que a luta pela reforma agrária e a agroecologia andem juntas, buscando acumular forças e popularizar as experiências e iniciativas, construindo estratégias que permitam ampliar as ações locais e articular-se com a construção política de um novo projeto de sociedade.

Tagged:

2011-02-09  »  alantygel

Share your thoughts

Re: Agroecologia e Reforma Agrária na base da construção de uma outra sociedade







Tags you can use (optional):
<a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>