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Nova presidenta do Consea defende Reforma Agrária e critica agrotóxicos

quinta-feira 26 abril 2012 - Filed under Campanha Contra os Agrotóxicos

20 de abril de 2012

Da Assessoria do Consea

Em seu discurso de posse, nesta quarta-feira, a nova presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), a antropóloga Maria Emília Pacheco, criticou os agrotóxicos e os alimentos transgênicos.

“O caminho percorrido historicamente pelo Brasil, com seu modelo atual de produção, nos levou ao lugar do qual não nos orgulhamos – de maior consumidor de agrotóxicos no mundo e uma das maiores áreas de plantação de transgênicos”, disse ela.

“É fundamental adotar o objetivo estratégico da soberania e segurança alimentar e nutricional como eixos ordenadores da estratégia de desenvolvimento do país, para superar as desigualdades socioeconômicas, regionais, étnico-raciais, de gênero e geração e erradicar a pobreza extrema e a insegurança alimentar e nutricional”, afirmou. “Esta perspectiva ainda não está incorporada no atual Plano Plurianual”, disse ela.

A nova presidenta criticou o que chama de “livre atuação das grandes corporações”. “A livre atuação das grandes corporações, apoiada na irrestrita publicidade de alimentos – que tem como um dos alvos principais as crianças – também tem gerado efeitos nocivos para a segurança alimentar e nutricional e em fenômenos como o preocupante avanço do sobrepeso, da obesidade e de doenças crônicas não-transmissíveis”.

Abaixo, leia o discurso de posse na presidência do Consea:

Excelentíssima Senhora Presidenta da República – Dilma Rousseff.

Excelentíssima Senhora Ministra de Estado – Tereza Campello.

Meus cumprimentos ao Professor Renato Maluf a quem tenho a honra de suceder nesta desafiadora e dignificante missão que é presidir o Consea. Meus cumprimentos aos representantes dos vários ministérios que compõem o Consea. Meus cumprimentos especiais às colegas Conselheiras e aos colegas Conselheiros da sociedade civil aos quais peço que, neste momento se levantem e recebam uma calorosa salva de palmas.

Senhoras, senhores,

O Consea é resultado de uma manifesta vontade política por ouvir as demandas da sociedade. É fruto das reflexões pioneiras sobre a fome, feitas por Josué de Castro – que é seu patrono; do ex-presidente Lula, que o recriou, e foi recentemente indicado pelos conselheiros seu Presidente de Honra; de Betinho, da Ação da Cidadania Contra a Fome e a Miséria e pela Vida. É a expressão dos ecos da cidadania, das vozes do campo, da floresta e da cidade. Em sua composição está a fala dos sujeitos de direitos, aqui representados pelas organizações dos povos indígenas, população negra, quilombolas, pescadores, comunidades de terreiro, extrativistas como as quebradeiras de coco, organizações da agricultura familiar e camponesa.

É a expressão de nossa sociobiodiversidade, com suas formas de vida e manejo dos bens da natureza nos vários biomas, e de uma sociedade pluriétnica. Mas também estão entidades do direito humano à alimentação; centrais sindicais; redes, fóruns e articulações da soberania e segurança alimentar e nutricional, da agroecologia, da economia solidária, da educação cidadã; representações de organizações de matriz religiosa; das organizações que reúnem pessoas com necessidades especiais, consumidores e profissionais do campo da saúde e nutrição; organizações ligadas à agricultura patronal e indústria de alimentos.

É a expressão das várias dimensões da política de segurança alimentar e nutricional, sintetizadas no princípio da intersetorialidade, que nos é muito caro. Reafirmamos que essa política, baseada no direito humano à alimentação adequada, deve se concretizar através das diretrizes contidas no Plano Nacional de Segurança de Alimentar e Nutricional:

-do acesso universal à alimentação adequada e saudável;

-da promoção do abastecimento e estruturação de sistemas sustentáveis e descentralizados de base agroecológica de produção, extração e processamento;

-da instituição de processos permanentes de educação alimentar e nutricional;

-do fortalecimento das ações de alimentação e nutrição em todos os níveis da atenção à saúde;

-de promoção do acesso universal à água de qualidade e em quantidade suficiente;

-do apoio às iniciativas de promoção da soberania alimentar, segurança alimentar e nutricional no âmbito internacional e nas negociações internacionais.

Por isso reconhecemos a importância da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN) e procuraremos caminhar no sentido do aprimoramento de sua interlocução com o Consea.

Temos, hoje, uma representação de cerca de 51% de mulheres. A expressão de seu papel na luta pela garantia da segurança alimentar e nutricional começa a refletir-se na consciência da sociedade de que são portadoras de direitos, embora haja muito a avançar no plano das políticas e seus instrumentos de operacionalização que ainda discriminam as mulheres.

Presidenta Dilma, a 4ª Conferência Nacional que realizamos no final do ano passado em Salvador, na Bahia, foi o coroar de um movimento que envolveu mais de 75 mil pessoas, com a participação de 3.000 municípios, todas as regiões, todos os estados.
Representou uma inequívoca mostra da força e do alcance de nossa articulação e mobilização social.

Reuniu 2.000 participantes, entre eles ministros de Estado, governadores, deputados, senadores, prefeitos e delegações das 27 unidades da Federação. Entre os convidados e observadores, lá estiveram 200 estrangeiros, que ali representavam 51 países e 5 continentes.

Um relato dessa história encontra-se no documento que Vossa Excelência acaba de receber. Vivemos tempos de celebração de conquistas como já assinalou o professor
Renato Maluf. Reconhecemos e valorizamos os significativos avanços conseguidos no Brasil na mobilização social pela soberania e segurança alimentar e nutricional, para os quais contamos várias vezes com a atuante Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e Nutricional.

Houve nos últimos anos uma sensível melhora dos índices de insegurança alimentar de vários segmentos sociais. Temos programas estruturantes que têm sido inspiradores para iniciativas análogas em outros países, como é o exemplo do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o
Programa um Milhão de Cisternas ( P1MC) e mais recentemente a inovadora proposta do P1 +2 – uma terra e duas águas no semiárido.

O Consea defende a ampliação do programa de cisternas de placas, nos moldes em que é executado pela Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), como uma das alternativas de convivência com o semiárido. Esses são programas que articulam vários sentidos, e cada um com as suas especificidades contribui para revigorar as economias locais, estimular a diversificação da produção, valorizar as culturas alimentares e impulsionar a participação social, a organização popular, revitalizando o tecido associativo.

Este é um aspecto fundamental da construção cidadã, da relação entre Estado e sociedade, em relação ao qual estaremos atentos para que não haja retrocessos. Mas vivemos tempos também de grandes desafios, contradições e riscos de desconstrução de conquistas, a exemplo dos significativos fatos que marcam o contexto em que inauguramos uma nova gestão do Consea. Eles requerem a nossa atenção e reflexão.
Quero prestar minha homenagem aos 220 povos indígenas, falantes de 180 línguas, povos originários, e que são representados no Consea por quatro etnias de diferentes biomas: Tapeba, Kaiowá, Yawanauwá e Guarani. Nesta semana temos o seu dia, mas não há muito a celebrar.

Vare’á estão gritando os Kaiowá no bioma cerrado, no Mato Grosso do Sul, para falar da ausência do broto da semente semeada; para falar da fome. Os índices de desnutrição entre os povos indígenas continuam altos e mais recentemente vêm sendo diagnosticados casos da doença beribéri entre várias etnias em Roraima.

A situação das comunidades quilombolas também nos preocupa. Os conflitos territoriais e as dificuldades de acesso às políticas incidem em sua insegurança alimentar. A Chamada Nutricional Quilombola mostra-nos o impacto da desnutrição das crianças, cerca de 76% maior do que para o conjunto da população.

Os riscos de agravamento desse quadro nos chegam de duas medidas propostas em debate nesse momento. Há poucos dias, a Comissão de Constituição Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que transfere para o Congresso Nacional a competência para demarcar e homologar terras indígenas e quilombolas, retirando a competência do
Executivo.

Indígenas e quilombolas temem que a aprovação definitiva da PEC 215 prejudique ainda mais a demarcação de territórios tradicionais. Instaura-se o risco de inviabilizar qualquer reconhecimento de novas áreas. E são inúmeros os projetos de lei que buscam restringir os parcos direitos territoriais dos povos indígenas e das comunidades quilombolas. Há uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3.239, que será julgada amanhã no Supremo Tribunal Federal, sobre Terras Quilombolas. O Decreto Federal 4887/2003, assinado pelo ex-presidente Lula, que regulamentou o processo de titulação das terras dos remanescentes das comunidades de quilombos, criando mecanismos que facilitam o processo de identificação e posterior titulação de comunidades, encontrou ferrenha oposição.

Precisamos compreender que para os territórios étnicos-raciais a terra não é apenas um meio de produção da sua subsistência e reprodução física, mas, também um patrimônio sócio-cultural. A terra é a sua casa, o lugar onde nascem, crescem e desenvolvem suas diferentes formas de vida.

É o lugar onde enterram seus mortos e celebram a vida. É o lugar onde produzem e reproduzem sua cultura, onde historicamente domesticam plantas e animais e nos deixam um enorme legado de espécies e variedades que enriquecem a nossa biodiversidade. A terra não é mercadoria, nem propriedade privada de pessoa física ou jurídica. É patrimônio coletivo, de todo um povo, de seus usos e costumes, e assim a apropriação dos seus frutos se dá, igualmente, de forma coletiva, de forma sustentável.
Se aprovadas essas medidas, elas representarão um retrocesso nas conquistas e o crescimento dos riscos de insegurança alimentar e nutricional.

O julgamento da ADI contra os direitos quilombolas coloca ao STF a responsabilidade de consolidar um entendimento Constitucional que possibilite o avanço da política pública de titulação. O reconhecimento e a efetivação do direito ao território para as comunidades quilombolas representa muito mais do que a necessária reparação do erro histórico da escravidão: é a garantia que a sociedade brasileira precisa contar com a existência dos quilombos na contínua construção econômica, social e cultural da sociedade.

Nosso apelo, Sra. Presidenta, fazendo coro às vozes dessas populações, é zelar pelo cumprimento da Constituição Federal e de outros instrumentos internacionais, como a Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário, de proteção aos direitos indígenas, comunidades quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais.

Para reverter o quadro de riscos para essas populações, o Consea defende o etnodesenvolvimento como uma diretriz a ser plenamente incorporada no conjunto das políticas públicas do Estado brasileiro, e em especial nas políticas de Segurança Alimentar e Nutricional.

Para um Brasil sem Miséria é necessário recusar essas medidas, e enfatizar a deliberação da 4ª Conferencia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional,
que nos diz:

“Garantir e efetivar os direitos territoriais e patrimoniais, materiais e imateriais, e acelerar os processos de ampliação do acesso à terra, bem como garantir acesso aos recursos naturais para os povos indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais como condição primordial para a garantia da soberania alimentar e realização do direito humano à alimentação adequada e saudável”.

O aprofundamento da democracia participativa e redistributiva para assegurar o direito humano à alimentação adequada requer a concretização do direito à terra, reconhecendo sua função social nas dimensões socioambiental, econômica e trabalhista, conforme a Constituição Federal, através de amplo programa de reforma agrária . Trago também, Presidenta Dilma, em rápidas palavras, algumas outras  propostas da 4ª Conferência, que nos parecem prioritárias para a gestão que ora se inicia.

Consideramos fundamental adotar o objetivo estratégico da soberania e segurança alimentar e nutricional como um dos eixos ordenadores da estratégia de desenvolvimento do país para superar as desigualdades socioeconômicas, regionais, étnico-raciais, de gênero e geração e erradicar a pobreza extrema e a insegurança alimentar e nutricional. Esta perspectiva ainda não está incorporada no atual Plano Plurianual.

O caminho percorrido historicamente pelo Brasil com seu atual modelo de produção nos levou ao lugar do qual não nos orgulhamos de maior consumidor de agrotóxicos no mundo e uma das maiores áreas de plantação de transgênicos.

A livre atuação das grandes corporações, apoiada na irrestrita publicidade de alimentos – que tem como um dos alvos principais as crianças – também tem gerado efeitos nocivos para a segurança alimentar e nutricional e em fenômenos como o preocupante avanço do sobrepeso, da obesidade e de doenças crônicas não-transmissíveis.

O Ministério da Saúde divulgou recentemente resultados de uma pesquisa que revela dados alarmantes relacionados ao sobrepeso e à obesidade em nosso país: 49% dos brasileiros estão acima do peso e, nesse percentual, 16% são obesos. Por isso defendemos a imediata implementação do Plano Intersetorial de Prevenção e Controle da Obesidade e da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), com a garantia de financiamento para, dentre outras ações, assegurar a universalização das ações de alimentação e nutrição na Atenção Básica à Saúde.

O fortalecimento da capacidade reguladora do Estado se faz necessário, tanto na efetiva regulação da expansão das monoculturas, como na adoção de medidas como o banimento imediato dos agrotóxicos que já foram proibidos em outros países, incluindo os que foram utilizados em guerras, como o glifosato; o fim de subsídios fiscais, acompanhado da implementação de mecanismos de regulação da comunicação mercadológica de alimentos.

A restauração do princípio da precaução em relação aos produtos transgênicos é imperiosa necessidade para proteger a saúde humana e o meio ambiente. É socialmente inaceitável que o mercado seja o único regulador das decisões tecnológicas. A consciência dos consumidores e a manifestação de suas incertezas dever ser considerada. Defendemos a rotulagem obrigatória de todos os alimentos transgênicos, assegurando ao consumidor o direito à informação, assim como defendemos que o governo mantenha o veto à utilização da tecnologia genética de restrição de uso (Gurt), conhecida como “terminator”, conforme a manifestação contida na Declaração Política da 4ª Conferência.

É indispensável revisar a lei de biossegurança e modificar a composição e funcionamento da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), para expressar as diferentes visões existentes na sociedade e na comunidade acadêmica e ampliar a participação e o controle social.

O Consea defende, apoia e valoriza a agricultura familiar e camponesa responsável por 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros e das brasileiras. Investir na agricultura familiar e camponesa é gerar emprego e renda para milhões de pessoas, é estimular a produção de alimentos e a diversidade de culturas, é respeitar tradições alimentares e preservar a natureza, é fixar o homem no campo, é fortalecer as economias locais e regionais.

Defendemos a proposta da Política Nacional de Agroecologia e Sistemas Orgânicos de Produção, em processo de elaboração por um grupo interministerial em diálogo com organizações da Articulação Nacional de Agroecologia, garantindo a proteção da agrobiodiversidade e iniciativas como a conservação de sementes crioulas, os sistemas locais públicos de abastecimento, circuitos curtos de mercado e mercado institucional.

Reivindicamos a instituição de uma Política Nacional de Abastecimento Alimentar, com base na proposta construída na Caisan, em diálogo com o Consea com o estímulo à política de estoques públicos de alimentos (ampliando a aquisição da produção da agricultura familiar); a descentralização do abastecimento público, distribuição de alimentos no varejo e atacado; revitalização das Ceasas e dos equipamentos públicos de alimentação e nutrição, incluindo o apoio às feiras agroecológicas.

Celebramos os passos dados até agora na construção do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan) como estrutura responsável pela formulação, implementação e gestão participativa da política de Segurança Alimentar e Nutricional em todos os níveis. Esta consolidação é resultado, em âmbito nacional, de inúmeros esforços, em especial do Consea e da Caisan.

Em âmbito distrital e estadual, caminharemos apoiando a necessidade de implantar as instâncias intersetoriais de segurança alimentar e nutricional e apoiar o efetivo funcionamento dos Conseas estaduais.

Senhora Presidenta,
A indicação do meu nome para a presidência do Consea, feita pelos movimentos sociais e entidades da sociedade civil, evidencia princípios e valores que nos são muito caros: soberania alimentar, sustentabilidade socioambiental, justiça social e climática, participação, controle social, intersetorialidade, igualdade nas relações de gênero, entre outros. Buscarei exercitá-los na gestão coletiva.

Agradeço aos conselheiros e às conselheiras, aos movimentos sociais, às entidades da sociedade civil, às organizações não governamentais, em especial à FASE- Solidariedade e Educação, ao Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional e à Articulação Nacional de Agroecologia. Um agradecimento especial a Vossa Excelência, Presidenta Dilma, pela honra com que acolhe e ratifica o meu nome, para esta relevante e nobre missão. Muito obrigada.

Brasília, 17 de abril de 2012

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2012-04-26  »  alantygel

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