“O Armazém do Campo é um espaço de resistência no centro do Rio de Janeiro”
sábado 14 setembro 2019 - Filed under Armazém do Campo RJ
Em entrevista, Angela Bernardino (27) fala sobre o papel político do Armazém durante as comemorações de 1 ano da loja no Rio de Janeiro (RJ)
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Por Wesley Lima
Da Página do MST
Há um ano, o Armazém do Campo, localizado na Lapa, no centro do Rio de Janeiro, tem levado alimentos saudáveis, arte, cultura, política e muita luta para o coração da capital carioca.
A loja do MST, que comercializa hoje mais de 450 produtos orgânicos e agroecológicos, vindos de assentamentos da reforma agrária e pequenos agricultores, se tornou uma referência. A proposta da rede de lojas, que já está presente em cinco estados, é comercializar diariamente os produtos e aproximar a população do debate em torno alimentação saudável, mas também da atual conjuntura política.
A jovem Angela Bernardino (27), militante Sem Terra, atua na coordenação política do Armazém do Campo no Rio de Janeiro e afirma que o espaço é pensado e articulado de maneira direta com a luta do MST, que há 35 anos tem levantado a bandeira da produção de alimentos saudáveis e agroecológicos.
Em entrevista para Página do MST, ela aprofunda essas questões e desenvolve o papel político das lojas Armazém do Campo, conectados a Reforma Agrária Popular, cumprindo o objetivo de “dialogar e mostrar para sociedade que o Movimento Sem Terra não só ocupa a terra, mas também produz alimentos saudáveis, sem veneno”.
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Além disso, Bernardino diz que no estado do Rio os processos de comercialização de produtos da reforma agrária não se resumem ao espaço do Armazém do Campo, mas o Movimento tem se preocupado em construir a cada 15 dias o espaço Terra Crioula, que existe há dois anos, e uma vez por ano a Feira Estadual da Reforma Agrária Cícero Guedes. Nesse sentido, essas três estruturas têm ocupado um espaço importante que fortalece a produção de alimentos saudáveis e dá dinâmica para relação campo e cidade.
Leia a entrevista na íntegra:
Sem agrotóxicos, produtos orgânicos, alimentos saudáveis, fim das relações de exploração no trabalho, diversidade. Esses termos fazem algumas sínteses do que simboliza o Armazém do Campo, que ao completar 1 ano de existência no Rio de Janeiro, simboliza muito para o MST. Fale um pouco sobre a dimensão política do Armazém na perspectiva da Reforma Agrária Popular.
Construímos o Armazém aqui no centro do Rio com o objetivo de ter um espaço de resistência e isso foi se consolidando ainda mais durante o processo eleitoral do ano passado. Com a violência generalizada e pessoas sendo agredidas, onde as pessoas se encontravam mesmo. Inclusive teve um dia muito emocionante, porque a gente abriu as portas da loja e tinha muita gente ali fora e as pessoas queriam entrar, pois gostariam de estar num espaço aonde se sintam seguras e que possam conversar sobre tudo sem sofrer nenhum tipo de violência ou de constrangimento.
Por isso, o Armazém tem se reafirmado, cada vez mais, como um espaço de resistência político-cultural dos trabalhadores, cumprindo o papel de debater a Reforma Agrária Popular, para dialogar e mostrar para sociedade que o MST não só ocupa a terra, mas também produz alimentos saudáveis, sem veneno.
Como a dimensão da luta pela terra ocupa espaço no Armazém do Campo?
A luta pela terra é trazida para dentro desse espaço. Não só aqui do Armazém, mas a gente tem outros espaços no Rio, como o espaço Terra Crioula, que cumpre o papel de trazer os produtores para uma feira que acontece a cada 15 dias. Mas, o Armazém traz esse debate no dia a dia e com as Feiras da Reforma Agrária a gente faz isso uma vez por ano.
Então, eu acho que esses três espaços: a Feira Estadual da Reforma Agrária, o espaço Terra Crioula e o Armazém do Campo, trazem em dimensões diferentes o processo da luta pela terra. Porque quando a gente faz a feira nós temos os produtos que são do hortifrúti, que é direto com o produtor; quando a gente faz o Terra, nós não só trazemos os produtos para dialogar, mas também incorpora a parte cultural; já aqui no Armazém, aglutinamos todos esses dois processos, só que com a organização de nossa produção a partir das cooperativas,
que já passam por um processo de industrialização dos produtos um pouco mais elaborado e que vão para o mercado comum. Esses três espaços cumprem um ciclo fundamental, levando para cidade não apenas produtos,
mas, principalmente, os frutos da luta pela terra e pela reforma agrária.
Por que a capital do Rio de Janeiro foi escolhida para receber mais uma das lojas da rede
Armazém do Campo?
O Rio de Janeiro tem muito a cultura da realização de feiras orgânicas, que se materializa no Circuito de Feiras do Rio, e também é uma grande capital estratégica para o MST fazer relações políticas com sindicatos, outros movimentos, inclusive para ajudar a construir esse espaço e ligar campo e cidade. Tanto é que os Armazéns estão nos grandes centros para que possamos fazer o debate da Reforma Agrária e trazer esse mesmo debate para o campo. Ou seja, construir uma relação mais íntima entre campo e cidade, dialogando com a sociedade.
Outro fator importante, é que o Rio de Janeiro é um berço cultural e a indústria cultural acaba tomando conta desses espaços. O Armazém é criado na contra mão desse movimento de industrialização da arte e transformação da nossa produção cultural em mercadoria. Então precisamos ocupar dois espaços centrais: a da produção de alimentos saudáveis e orgânicos; e construir novas relações de produção e reprodução da vida a partir da arte e da cultura.
Quais são os principais pilares que organizam o Armazém do Campo no Rio de Janeiro?
O primeiro é fazer propaganda Reforma Agrária, dialogando com a sociedade e desconstruindo o discurso de criminalização que a sociedade tem sobre o MST. O segundo é a comercialização de produtos oriundos da Agricultura Familiar, do Pequeno Agricultor. Produtos que são orgânicos, que são livres de veneno, que são agroecológicos e que tenham uma outra lógica de produção, incluindo a juventude e as mulheres no processo produtivo. O terceiro pilar é o cultural. Nosso objetivo aqui também é fornecer cultura às pessoas. Por isso que nossas atividades são gratuitas. O quarto e último pilar é garantir a produção de alimentos saudáveis de fato e que sejam agroecológicos. Essas quatro questões acabam norteando a construção dos Armazéns.
Os Armazéns tem se consolidado com um espaço amplo para os trabalhadores de organizações e movimentos populares. O Armazém do Campo no Rio, por conta de sua estrutura física e natureza política, tem abraçado a realização de muitas iniciativas. Como esses processos se articulam e por que fazem parte da natureza do Armazém?
Nós não só fazemos atividades culturais, lançamento de livros, enfim. O Armazém se tornou um espaço de referência e aqui, de referência da esquerda, nesse período que a gente está vivendo. O processe da articulação é reflexo disso. E essas articulações se dão não só com movimentos do campo popular, mas com sindicatos, professores, alunos, e isso materializa a dimensão da articulação política dentro de nossa estrutura hoje.
Por isso, podemos destacar o link direto com nossa natureza política, porque essa articulação é um processo que constrói a luta, mas também a própria loja. Nesse sentido, temos uma relação direta entre a luta política, a articulação e a comercialização de alimentos saudáveis.
Que desafios atualmente o armazém possui olhando para atual conjuntura e por estar localizado no coração da Lapa no Rio?
Acredito que um dos desafios é continuar com esse espaço aberto diante da atual conjuntura. Acho que esse é nosso principal desafio, conseguir que esse espaço mantenha-se de portas abertas e que seja um espaço de resistência ativa. Paralelo a isso, é importante que a gente consiga trazer cada vez mais produtos para dentro do Armazém e falo de produtos de outros estados e regiões.
Do Nordeste, por exemplo, temos poucos produtos, por outro lado, temos uma grande produção por lá. Mesmo com dois Armazéns no Nordeste agora a gente não consegue escoar toda a produção. Então precisamos avançar na articulação interna e construir uma logística para que essa produção possa estar em diversos lugares diferentes. Temos também o desafio de fazer que esse espaço se torne cada vez mais um espaço de formação política. Precisamos trazer o povo para estudar dentro de nossa estrutura.
*Editado por Yuri Simeon
2019-09-14 » Clivia Mesquita