Superando expectativas, Feira Cicero Guedes comercializa cerca de 180 toneladas de alimentos
sábado 10 dezembro 2016 - Filed under Feira estadual Cícero Guedes
Além da aliança campo e cidade no Rio de Janeiro, a Feira é um dos principais espaços de diálogo com a população carioca, trabalhadora, e que não está nos espaços de militância
Por Maria Terra
Da Página do MST
“Já guardaram o arroz?”. “Ainda dá tempo de comprar alguma coisa?”. “Eu corri tanto para alcançar”. “Ainda bem que cheguei há tempo!”. “Que pena, saí tarde do trabalho”. “A Feira esteve muito linda”. “Parabéns! No ano que vem estarei aqui de novo”. Foram essas as frases daqueles que chegavam apressados enquanto os 180 feirantes participantes da VIII Feira Estadual da Reforma Agrária Cicero Guedes desmontavam ou recolhiam o pouco do que sobrou (e se sobrou) dos dias em que expuseram e comercializaram produtos oriundos, principalmente, de assentamentos da Reforma Agrária.
A atividade durou três dias, mas foram suficientes para que mais de 45 mil pessoas visitassem e comprassem os produtos in natura, industrializados ou já em receitas, como as tradicionais tapiocas ou a “crepioca” de chaya, uma mistura de crepe e tapioca de uma planta com inúmeros benefícios para a saúde, ou ainda os caldos de aipim com camarão, escondidinho de frango e outras delícias da Culinária da Terra, espaço também bastante procurado durante toda a Feira.
No total, foram comercializados cerca de 180 toneladas de alimentos das mais variadas espécies, como mandioca, abóbora, banana, verduras, legumes, frutas, doces, sucos, arroz, compotas doces e salgadas, pimentas, licores, derivados do leite, pratos típicos, entre outras coisas, superando as expectativas gerais, que estimou a comercialização em 150 toneladas antes do início da Feira.
A Expressão Popular também esteve presente com mais de 200 títulos, da própria editora e de parceiras. Muitas pessoas puderem ter acesso a uma grande quantidade de livros, que iam desde os temas relacionados à literatura até questões ligadas à produção agroecológica, por exemplo. Um dos pontos altos da atividade da editora na Feira foi o ato de lançamento da “Série Ana Primavesi”, com alguns títulos escritos pela própria autora que dá nome à série e outros escritos por outras pessoas sobre o trabalho desenvolvido por Primavesi no decorrer de sua vida. Na perspectiva de se tornar ainda mais acessível, as promoções permitiram que muitas pessoas tivessem acesso à uma quantidade importante dos livros editados ou reeditados pela editora.
O local da Feira foi o Largo da Carioca, o “umbigo da cidade do Rio de Janeiro”, segundo um dos organizadores do evento e integrante do Setor de Produção do MST-RJ, Raoni Lustosa.
“O Largo da Carioca é o centro de passagem dos trabalhadores e das trabalhadoras no Rio de Janeiro, é um largo, uma praça onde transitam muitas pessoas com picos no turno da manhã, na hora do almoço e no final do dia. Por isso, é um espaço estratégico para fazer o diálogo com a sociedade, um local que tem uma referência direta com os trabalhadores e trabalhadoras da cidade, no seu curso de trabalho”, avalia Raoni.
Segundo os organizadores, com todas as dificuldades para a realização da Feira, seu espaço vem aumentando a cada nova edição. São os próprios trabalhadores da cidade que visitam o evento e continuam exigindo que a atividade aconteça mais de uma vez por ano.
Para Nivia Regina, da coordenação do MST no estado, a Feira vai para além da comercialização em si, “ela tem sido um dos principais espaços de diálogo com a população carioca, trabalhadora, e que não está no circuito de militância. É o momento de pautar a Reforma Agrária, o problema fundiário no estado e no Brasil, de debater sobre o papel da alimentação e o problema do agronegócio na produção de commodities, além do uso intensivo de agrotóxicos e transgênicos”.
Raoni complementa que “a Feira, por si só, é um instrumento de trabalho de base com os trabalhadores da cidade e do campo, com a sociedade de modo geral, um ponto de articulação política enorme com parceiros e sindicatos, parlamentares e também um momento muito festivo, de muita musicalidade, de diferentes formas e características, representando um ponto muito além do que só a exposição de produtos. Trazer os produtos é trazer o fruto da Reforma Agrária Popular e da organização dos trabalhadores e trabalhadoras”.
Diferenciais das edições anteriores
Por estar na oitava edição da Feira Estadual, o trânsito de trabalhadores e trabalhadoras vem aumentando cada vez mais. Para além das pessoas que já passariam pelo Largo da Carioca, outras chegam diretamente para conversar e comprar os produtos ali comercializados.
“Muitas pessoas já nos visitam todos os anos, procuram os feirantes já específicos, os assentamentos que já tem relações mais próximas. A Feira é um patrimônio, não só por ser elaborada, efetivada por lei [Lei Municipal 5999/2015 – Patrimônio de Interesse Cultural e Social da Cidade do Rio de Janeiro], mas pela identificação que as pessoas criaram para com os feirantes e os produtos. Ela é um patrimônio cultural, produtivo e humano da cidade do Rio de Janeiro”, analisa Raoni.
Outro avanço significativo da edição deste ano foi o envolvimento massivo dos estados da Região Sudeste do Brasil, que mostrou mais da diversidade da produção em assentamentos de Reforma Agrária num contexto maior, para além do estado do Rio de Janeiro, e de outros movimentos sociais do campo e da cidade, como o MPA e o movimento de luta por moradia, representado pela Ocupação Vito Giannotti.
Os espaços de formação desse ano também tiveram um importante diferencial, porque aconteceram no local da própria Feira, aberto, e os próprios feirantes foram os mais beneficiados, que, ao mesmo tempo em que vendiam, podiam participar das discussões. “Foi muito parecido com uma aula pública. Um avanço porque não se limitou apenas às salas que a gente fazia de formação”, avaliou Raoni.
Em termos de parcerias, além das cooperativas ligadas ao MST, outras forças foram fundamentais no processo, como é o caso do Sindipetro de Caxias, A FUP, o Sindipreto NF, Sindipetro RJ, Sindecom, Corecon, Andes, Aduff, Aduferj, o próprio Incra, com a possibilidade de articular a emenda que efetivasse a Feira, a Campanha Contra os Agrotóxicos, entre outros. Foram esses que contribuíram em termos de financiamento, articulações, elaboração de materiais e na construção da feira efetivamente, nos seus espaços culturais e de comercialização.
De acordo com a avaliação dos coordenadores do MST no estado, as condições materiais eram menores, por isso o marco desse ano foi a construção coletiva intensiva de todos os envolvidos, direta e indiretamente.
Ações futuras
“Mesmo sendo um patrimônio de interesse cultural da cidade, temos muitas dificuldades de realizar a Feira. Enfrentamos grandes obstáculos estruturais e burocráticos para a legalização do espaço, por exemplo. Ainda que seja efetivada como lei, trabalhamos o tempo todo para que ela se concretize e possamos, posteriormente, firmar mais de uma edição da Feira ao ano”, respondem quase em uníssono, Raoni e Nivia.
Além disso, para que esses avanços continuem se efetivando, os dois acreditam na necessidade de somar forças com o conjunto da sociedade para estas construções, articulando com o todo da classe trabalhadora, construindo novas relações e reforçando aquelas já construídas.
“Em termos de projeção, a Feira Cicero Guedes tem que ser trabalhada como o carnaval. A gente termina o carnaval projetando o próximo. Em princípio, a Feira precisa ser efetivada pelo menos duas vezes ao ano para criar corpo e uma rotina na vida do Rio de Janeiro. Depois dessas duas vezes, podemos avançar para mais vezes, quem sabe trimestralmente no Largo da Carioca”, aponta Raoni.
Ao fechar a oitava edição, os organizadores já apontam a próxima Feira para a primeira semana de julho de 2017, como apresenta Raoni. “Queremos construir a primeira de 2017, pensando em fazermos a segunda logo depois, em dezembro, como já é de praxe”.
Já Nivia afirma que a Feira se mostra com o caráter político e cultural, que contribui para a elevação do nível de consciência dos trabalhadores e trabalhadoras. “Como lei, ela tem também a simbologia de construir elementos legais para impulsionar a relação entre campo e cidade. É neste momento de crise política que mais precisamos disputar consciências”, finaliza.
*Edição Iris Pacheco
2016-12-10 » Alexandre