A utopia encenada: Ensaio Aberto comemora seus 18 anos com emocionante exposição, e a encenação de Sete Sentimentos Capitais
terça-feira 17 maio 2011 - Filed under Notícias do Rio
por Leandro Uchoas, foto de Luiza Chuva
“Os artistas estão mergulhados no mesmo caos que o resto de nós, mas são especiais, pela habilidade que têm de dar a esse caos uma forma expressiva, de torná-lo mais claro, de nos ajudar a navegar, a reconhecer nossas forças e a encontrar um ao outro, para que possamos sobreviver, e às vezes até vicejar em meio ao turbilhão.”
(Marshall Berman)
Há 18 anos, um grupo de artistas dá expressão ao caos no Rio de Janeiro. São quase duas décadas de artesania, na busca por um teatro sensível, intenso, e sobretudo crítico. Hoje, pode-se dizer que eles têm um lar. No Armazém 6 do Cais do Porto, que transborda vida após ser reformado, eles instalaram suas tralhas e suas ideias. Ali resolveram fazer emergir seus sonhos em forma de dramaturgia. É um oásis num mar de abandono, entre os armazéns, cada vez mas sucateados para justificar a nociva reforma portuária que se planeja no local. O Armazém da Utopia, do grupo Ensaio Aberto, é uma ilha de esperança e ideologia no cantinho do Rio Antigo. Para celebrar a maturidade dos 18 anos, apenas exerceram seu ofício. Ergueram uma criativa e tocante exposição.
Havana Café, O Noviço, Missa dos Quilombos, Cabaré Youkali, Sobre o Suicídio, Pierrô saiu à Francesa. Imagens, vestimentas e citações que integraram as inúmeras peças da Companhia Ensaio Aberto desde 1993. De um beco, surge uma câmara vermelha instalada. Os visitantes são convidados a entrar dentro dela, e deixar fluir em si as sensações distintas que provoca. Em outro ambiente, uma peça centrada no debate da Reforma Agrária é exibida em vídeo. Em outro, cenas das guerras iugoslavas dos anos 1990 são projetadas ao fundo, enquanto uma atriz declama um aflito poema. Mais à frente, os históricos versos de João Cabral de Melo Neto, em Morte e Vida Severina, são interpretados por um ator. Pintada em uma das paredes, a frase de Berman é apenas uma das citações que, de certa forma, agrupadas, sintetizam os objetivos do grupo.
Já no fim da noite, às 20h, um desfecho à altura do conjunto. A peça “Sete sentimentos capitais – corpos e cidades” é encenada. Utilizando como tema a exploração sexual de crianças e adolescentes, é um soco no estômago. Sucedem-se relatos tocantes de jovens abusados pelos padrastos, vizinhos, velhos, e até pelos próprios pais. Da relação com a polícia, aos depoimentos constantes de interação conflituosa com a família, a peça forma um mosaico das experiências desses jovens e das suas prováveis causas. “Não sou uma garota de programa. Sou uma garota de problema, que tem conta de água e luz para pagar”, afirma uma das personagens. Como um jornalista, o narrador apresenta dados e decisões de convenções internacionais. “A cada dia, pelo menos 5.472 meninos e meninas são vítimas de violência sexual na América Latina e Caribe”, diz, em determinado momento.
Na segunda-feira (16), uma apresentação extra contou com a presença da ministra da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Maria do Rosário. Claramente impactada com a força da peça, fez um discurso emocionado. “A violência dentro de casa faz com que, muitas vezes, a rua seja um lugar mais seguro. Por isso temos que atuar nas duas frentes”, disse, referido-se ao combate à violência em casa, e à redução da moradia nas ruas. A ministra também lembrou que na mesma semana, no dia 18, seria o Dia Nacional de Combate à Violência e Exploração Sexual. Ela sugeriu que o Disque 100 seja incorporado ao cotidiano das pessoas. Tentou, de certa forma, dar respostas ao narrador, que durante a peça lançou a pergunta síntese à plateia: o que você tem a ver com isso?
A Companhia Ensaio Aberto estreou em 1993, com Cemitério dos Vivos, inspirado nas experiências de internação de Lima Barreto no manicômio da Praia Vermelha, atual campus da UFRJ. Já encenou 19 espetáculos, sempre recheados de conteúdo político e cultural. Atualmente, eles alimentam um projeto chamado Construindo o Armazém da Utopia. Pretender formar 108 jovens pobres das ocupações e comunidades próximas, incentivando a participação política, por três anos. No terceiro, os jovens já estariam empregados. Entretanto, haveria pressões externas para expulsá-los do local. Planejada apenas para atender aos interesses das grandes construtoras, a reforma portuária imaginada para a região tende a ser um duro golpe. Os artistas não condenam, porém, a reforma. Querem, antes, debatê-la com a sociedade, e manter o espaço reservado à cultura, e às habitações populares, no projeto.
SERVIÇO: Exposição até 3 de julho. Horário de funcionamento: de sexta a domingo, das 17h às 20h. Endereço: Armazém 6 – Cais do porto. Av. rodrigues alves, s/n°.
2011-05-17 » alantygel
17 maio 2011 @ 22:40
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