Assentamentos do Rio de Janeiro visitam as experiências de produção agroecológica do PDS Mário Lago em Ribeirão Preto (SP)
segunda-feira 21 julho 2014 - Filed under Notícias do MST Rio
por Natália Almeida
Entre os dias 04 e 06 de julho, as famílias do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Osvaldo de Oliveira, o mais novo assentamento do estado do Rio de Janeiro, visitaram a experiência do Assentamento Mário Lago, também um PDS, em Ribeirão Preto, uma das 17 experiências neste mesmo modelo no estado de São Paulo. Nesse modelo alternativo de organização a agroecologia é o principal eixo das práticas que, entre outros princípios, promove técnicas ambientalmente adequadas, para o manejo de culturas agropecuárias, além de outras orientações enraizadas nas práticas culturais, econômicas e sociais de organização.
Além das famílias que vêm construindo o PDS em Macaé, representantes do assentamento Marli Pereira da Silva, em Paracambi, e dos acampamentos, Irmã Doroty (Quatis, sul do estado) e Luis Maranhão (Campos, região Norte), também acompanharam a visita que contou ainda com a presença de técnicos da Cooperar e estudantes da Universidade Federal Fluminense (UFF – Polo Rio das Ostras), parceiros na estruturação do PDS no estado.
Agroecologia e Resistência: Sistemas produtivos alternativos no centro da indústria canavieria no estado de São Paulo
A experiência visitada em Ribeirão Preto é oriunda de um acampamento iniciado em 2003, cuja regularização se efetivou em 2008, quando além da regularização da área, o Termo de Ajuste de Conduta (TAC), documento que orienta as formas de ocupação e uso da área, firmado entre o Ministério Público, o INCRA e as famílias, começou a ser elaborado. A área do Assentamento Mário Lago, onde hoje estão assentadas mais de 464 famílias, era ocupada por latifúndios improdutivos de cana de açúcar, principal expressão do agronegócio local. A antiga fazenda, mantinha práticas severamente danosas para o meio ambiente, como o despejo de bagaço da cana nos rios e córregos, queima da cana com liberação de gases poluentes, entre outros graves passivos trabalhistas.
Na Roda de Conversa que abriu a programação do intercâmbio, Patricia Joia Nunes, assentada no PDS Mário Lago e dirigente regional do MST na região de Ribeirão Preto, contextualizou o processo de luta pela terra na região e abriu o debate sobre a construção do PDS, apontando que este modelo alternativo na organização dos assentamentos é fruto do acumulo e do avanço do Movimento Sem Terra na construção de propostas que busquem garantir a Reforma Agrária, em consonância com a conservação ambiental. Para ela “o último Congresso do MST, mostrou que a Reforma Agrária Popular que queremos está comprometida com estratégias concretas de convivência harmoniza com o ambiente e tem na Agroecologia, sua principal expressão”.
O promotor Marcelo Goulart, que acompanhou o processo de regularização da área do PDS Mário Lago, também aponta a importância do modelo PDS como um projeto de conservação ambiental no qual a sociedade pode e deve ser parceira. Para ele “em Ribeirão Preto, a força da cana, como principal motor econômico, é preponderante. As grandes empresas da região criam estratégias de dependência que fazem com que os impactos sociais e ambientais da produção, se tornem condições necessárias para que todos os outros, ditos ‘benefícios’ econômicos, aconteçam sem controle e para que os reais problemas não apareçam, ou, se pareçam menores. Eles (as empresas) perguntam nos anúncios de marketing da cidade, ‘E se não fosse a cana?’, rebatendo as críticas e apontando a relevância do setor Sucroalcooleiro para o “desenvolvimento” da região, e nós respondemos: ‘Precisamos mesmo dela?’ O PDS é mais uma das formas de dizer que não”, aponta o promotor.
Além dos assentados do PDS Mário Lago e do Promotor Marcelo, José Cláudio Gonçalves, doutorando da UFSCar, que construiu seu mestrado com o título “Reforma Agrária e Desenvolvimento Sustentável? A difícil construção de um Assentamento Rural Agroecológico em Ribeirão Preto”, também esteve presente contribuindo com o debate. Segundo ele, “A luta pela Reforma Agrária no Brasil passa pela questão ambiental. O PDS deve ser um projeto no qual toda a sociedade, as entidades ambientalistas e as demais organizações populares, são parceiras e devem apoiar sua criação e consolidação, pois trata-se de um projeto de conservação e recuperação ambiental de áreas, até então, degradas pelo agronegócio”. Cabe lembrar que a área do PDS Mário Lago, está em um das principais zonas de recarga do aquífero Guarani, maior reservatório subterrâneo de água do mundo.
Sistemas Agroflorestais: um caminho para a consolidação do PDS
Para Patricia, uma das questões que está cada vez mais forte entre as famílias é que “se a Agroecologia é o caminho, a Agrofloresta é a solução”, diz ela, pois a prática vêm se apontando como a principal conquista do PDS Mário Lago, na materialização dos princípios agroecológicos e na garantia de renda e produção das famílias. “Agroecologia aqui é praticada não só porque é bonito, porque está em questão, mas pelo seu papel político em fortalecer a Reforma Agrária e Soberania Alimentar das famílias”.
Namastê Ganesh Maranhão, técnico agroflorestal da Cooperafloresta (Barra do Turvo – SP), que acompanhou o grupo do MST-RJ nas visitas às famílias que já vem implantando em seus lotes individuais e nas áreas coletivas do PDS, a produção agrícola consorciada com outras especies florestais e frutíferas, apresentou vários elementos que expõe a potencialidade dos Sistemas Agroflorestais (SAFs). Durante a vivência prática nos lotes, ele comenta que “todo agricultor, deve ser também pesquisador. Observar o que dá mais certo em um local e conhecer como a natureza funciona em cada região, pois isso traz lições para que possamos cuidar das plantas, seja qual forem”, apontando a importância de, no PDS Osvaldo de Oliveira, as famílias explorarem as condições existentes para a construção dos agroecossistemas a partir das características. Trazendo os princípios da agroecologia, ele aponta que “uma planta só é atacada, se está doente, se o local onde vive não tem as condições necessárias para que ela fique saudável”, reforça ele ao andar pelos canteiros agroflorestais que consorciam até 40 espécies diferentes.
As famílias visitaram ainda experiências de fossas septicas (esgotos) baseadas em filtros de bananeiras, cisternas para captação e armazenamento de água para produção, além de espaços de feira onde as famílias comercializam seus excedentes. Além das práticas agroflorestais, observadas na prática, a vivência expôs a importância do trabalho coletivo para garantia de conquistas para o conjunto de famílias que constrói o PDS Mário Lago. Ana Soares, psicóloga e docente da USP, que também acompanhou a atividade, diz “É incrível a transformação que acontece na dimensão pessoal quando as famílias se envolvem com os SAFs. Nos depoimentos, ouvimos relatos que é neste momento que a dimensão coletiva do trabalho, realmente se materializa de maneira mais forte”.
Diego Fraga, da Direção Estadual do MST, deixa claro em seu depoimento a relevância da experiência para as famílias do Rio de Janeiro, que retornam para suas áreas repletas de propostas, ele diz, “ouvindo as histórias e vendo as práticas aqui do PDS Mário Lago, é que a gente percebe o quando nossa luta está começando”. Para encerrar as atividades, foi realizada uma roda de agradecimentos aos companheiros que nos acolheram com muita receptividade e aprendizados, a expectativa de futuras visitas e intercâmbios, além de uma homenagem ao companheiro Cícero Guedes, assassinado pela violência do latifúndio em 2013, o qual contribuiu intensamente para o avanço das lutas do MST no estado.
Para Edna Mendonça, assentada no PDS Osvaldo de Oliveira (RJ), a visita teve um papel fundamental. Segunda ela, na Assembleia do assentamento, realizada no final seguinte a viagem, vários aprendizados foram destacados. Entre os principais estiveram “A necessidade do trabalho coletivo, o papel da associação na consolidação do assentamento, os canteiros agroflorestais, dos sistemas de trabalho, de criação de porcos, de fossa. Além da persistência do pessoal e da organização”.
O PDS Osvaldo de Oliveira foi reconhecido no dia 27 de fevereiro de 2014 e outras vivências estão previstas na construção dos Sistemas Agroecológicos do assentamento.
2014-07-21 » alantygel
23 julho 2014 @ 10:52
[…] Assentamentos do Rio de Janeiro visitam as experiências de produção agroecológica do PDS Mário … […]