Manifestação das Mulheres na Cúpula dos Povos
quinta-feira 14 junho 2012 - Filed under Notíciais Internacionais e da Via Campesina
As Mulheres na Cúpula dos Povos por Justiça Social e Ambiental: contra a mercantilização da vida e da natureza e em defesa dos bens comuns da humanidade
Nós, mulheres, estamos hoje nas ruas do Rio de Janeiro para afirmar nossos direitos e nossa autonomia, a soberania dos povos e os direitos da natureza, nosso direito a viver em um mundo sem sexismo, sem racismo, sem homofobia, sem fundamentalismos religiosos e sem intolerância. Somos brancas, negras, indígenas, rurais, urbanas, do campo, da cidade, da floresta, de todo o Brasil e de todos os continentes, unidas pela mesma comunidade de destino……
A Cúpula dos Povos, espaço de mobilização e organização de diferentes movimentos sociais e pessoas, acontece ao mesmo tempo em que a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a chamada Rio+20, marca os 20 anos da Eco 92.
Em todo o planeta a natureza dá sinais de estar sendo maltratada: inundações e enxurradas se alternam com longos períodos de seca ou racionamento de água e os desastres ambientais se multiplicam. Se se fala em uma crise ambiental, produzida pela forma como temos organizado historicamente a indústria, a produção e o consumo desenfreado de mercadorias, a utilização das nossas fontes energéticas, nossas florestas, água, sólo. Esta crise contribui para agravar as desigualdades sociais e para afetar os meios de vida das populações.
Crise também é a palavra que se usa para falar da situação nos Estados Unidos, na Europa e em outras partes do mundo. Enquanto, por conta da crise, muitas pessoas perderam ou estão perdendo suas casas, têm dívidas enormes e estão desempregadas, os governos até agora só deram muito dinheiro para os bancos, e cortaram salários dos servidores públicos e aposentadorias.
Na Conferência Rio+20 os poucos governos interessados dizem que vão resolver a crise ambiental e econômica de uma vez só com uma tal de “economia verde”. Mas o que isto tem de novo? Muito pouca coisa: trata-se de um novo discurso que busca mascarar de verde a mesma economia do lucro, que vai destruindo a natureza como bem comum de toda a humanidade, dizendo que os povos não sabem cuidar dela e a gestão pública seria menos eficiente que a iniciativa privada e seus negócios; o mesmo pacote de medidas que nos levou as crises ecológica, energética, climática, alimentar e financeira pela qual passamos. Não permitiremos mais essa afronta a nossa soberania. As florestas, as matas, os mangues que ainda existem, com tantas plantas, animais, microorganismos, – a chamada biodiversidade – só existe porque comunidades, e em especial as mulheres, indígenas, quilombolas, camponesas e pescadoras vivem lá há muitos anos e cuidam dela. Por que é desta relação de convívio equilibrado com a natureza que retiram o seu sustento. Não permitiremos a submissão da vida em todas as suas formas e dimensões aos interesses das grandes corporações capitalistas.
A Conferencia oficial será um verdadeiro show para demonstrar como muitos países e suas empresas estão preocupados com a natureza e o desenvolvimento sustentável, porém os movimentos sociais denunciamos que irão, de fato, jogar os verdadeiros problemas socioambientais para debaixo do tapete. Não estão buscando verdadeiras soluções para combater a contaminação das águas dos rios e dos mares, do desmatamento para servir ao agronegócio exportador, do envenenamento dos solos e dos alimentos, da poluição do ar, da insustentabilidade da energia fóssil, hidrelétrica e nuclear, enfim, das verdadeiras causas da crise ambiental.
A solução que nos é apresentada, mais uma vez, é o mercado. Entre os séculos XVIII e XIX o capitalismo trasformou o solo, trabalho, minérios e petróleo em mercadoria. Agora, o que está em jogo é a mercantilização do gás carbônico e da biodiversidade. Denunciamos que por trás dos novos (ou velhos) nomes e siglas como Créditos de Carbono, REDD, MDL, PSA, Transgênicos, economia azul, biologia sintética, geoengenharia monocultura e tantos outros, está em risco o lucro exorbitante de alguns, e a ameaça aos modos de vida e culturas da maioria da população e à existência de terra, água, ar e vida, inclusive as nossas.
Nós mulheres que vivemos no campo ou na cidade conhecemos muito bem os impactos de esses processos, e dedicamos boa parte do nosso tempo para superá-los. Sobretudo nos países do Sul, somos as principais produtoras de comida, encarregadas de trabalhar com sementes, coletar frutos, conseguir água, lenha e cuidar do gado… Somos responsáveis, nesses países, por cerca de 70% da produção de alimentos. Somos maioria na agricultura familiar, essa que faz a comida que comemos no almoço, e que vem sendo atacada pela industria alimentícia, pelas monoculturas, pelas hidrelétricas e grandes empresas.
Somos nós também que vemos no dia-a-dia o preço dos alimentos cada vez mais alto nos supermercados, enquanto nosso salário é cada vez menor. Somos, mulheres, 70% dos pobres do mundo. Lutamos pela soberania alimentar e dos povos, pelo direito a uma alimentação suficiente, saudável e culturalmente apropriada, ecologicamente produzida e com o direito dos povos de definirem seus proprios sistemas alimentares e agrícolas. Denunciamos os transgenicos e o monopolio das sementes, o uso excessivo de agrotóxicos, que faz com que no Brasil uma pessoa consuma em média 5 litros de agrotóxicos por ano e que polui nossos corpos, aguas e solos.
Nós, mulheres na Cúpula dos Povos perguntamos: Como melhorar a vida dos povos sem destruir a natureza A gente sabe como é bom ter energia elétrica em casa e se sente mais segura caminhando numa rua iluminada. E possível ampliar a oferta de energia elétrica sem construir barragens enormes que inundam grandes áreas, expulsando comunidades inteiras e jogando as populações na precariedade como denunciado pelos movimentos que lutam contra a construção da Usina de Belo Monte?.Ou como acontecido com as populações em torno as megausinas de Santo Antonio e Jirau? Ter celulares e outros eletrodomésticos que cada vez duram menos e irão logo para o lixo, sem uma mineração que causa a expulsão de famílias e a contaminação de terras e águas?
Para melhorar a vida de todas e todos respeitando a natureza é preciso organizar outra forma de produzir e de consumir, ou seja, outra forma de viver e traçar os caminhos futuros.
Não se trata de maquiar a economia com adjetivos como “verde” ou “inclusiva” e que continue a mesma. As mulheres constroem em seu cotidiano, alternativas concretas à economia dominante, transformando a produção de bens, a reprodução social e o consumo. Somos parte de milhares de iniciativas da economia solidária, da agro-ecologia e da agricultura familiar que garantem a soberania alimentar, da proposta de reduzir a jornada de trabalho e aumentar o salário mínimo, e também de outras formas de conviver nas cidades sem violência e de compartilhar nossa cultura e conhecimentos.
O feminismo, que luta pela igualdade e pelo fim da opressão das mulheres, tem propostas para a humanidade e é uma força organizada em todo o mundo. O feminismo vem hoje denunciar a mercantilização do corpo das mulheres e a ameaça aos seus direitos sexuais e reprodutivos e questionar porque todo o trabalho e tempo que ainda majoritariamente asmulheres dedicam ao cuidado dos outros, tão importantes para o bem estar de todos, são invisíveis e considerados sem importância.
As mulheres rurais produzem nos quintais agroflorestais, cultivam hortas, plantas medicinais, criam pequenos animais e trabalham duro com seus familiares na lavoura. Elas experimentam cultivar sem veneno, trocar sementes e mudas entre vizinhas, vender na feira e para a alimentação escolar. Ainda no campo e nas cidades sofrem com salários menores que os homens nas mesmas ocupações, e ocupam as categorias de menores ingressos. São a maioria dos trabalhadores na saúde e na educação atuando para que estas políticas sejam públicas e de qualidade. Se reúnem em cooperativas, associações e grupos de economia solidária e encontram outras formas de organizar o trabalho, e gerar renda para ter autonomia econômica Se assomam decididas na Internet circulando informação e cultura para quebrar o bloqueio da comunicação concentrada nas mãos de poucas empresas que tentam impor uma “verdade” única.
Com toda esta legitimidade estamos aqui, mulheres de diferentes territórios, etnias e culturas, cobrando dos governos e em particular do governo brasileiro, o compromisso com a mudança do modelo de produção destruidor da natureza, a plena vigência dos Direitos Humanos ameaçados nesta Conferencia pelo interesse de privatização de questões fundamentais como o acesso a água e o direito a alimentação, a irresponsabilidade de criar agora novas Metas de Desenvolvimento Sustentável sem ter cumprido sequer as velhas e pouco ambiciosas Metas do Milênio, e sobretudo suas responsabilidades com as gerações presentes e futuras. O crescimento ilimitado não é possível nem sustentável, e o desenvolvimento para ser sustentável precisa contemplar não só o aspecto econômico, mas também o social e o ambiental. Denunciamos que o que é considerado por vocês como desenvolvimento, como crescimento economico, tem sido o desenvolvimento da morte pois se produzimos para consumo, se preservamos uma floresta, se cuidamos de um rio isso noa ´pe considerado crescimento, mas se usa agrotóxico, se vende a madeira da floresta, se represa um rio, isso é considerado crescimento. Perguntamos: o que querem medir: o crescimento da quantidade de refugiad@s climáticos no mundo ou o crescimento do uso de pesticidas
Se definimos a pobreza como a ausência de mercantilização, então a mercantilização de tudo o possível se torna o remádio da pobreza. Reivindicamos que a maior riqueza que temos é a soberania dos povos e o direito de tod@s a bens comuns como terra, água, moradia, saneamento, educação, trabalho, transporte público e alimento e a sua organização a partir do reconhecimento dos povos como sujeitos políticos, incluindo as mulheres.
Estamos então aqui para falar de viva voz nosso direito a viver num mundo sem desigualdades, sem sexismo, sem racismo, sem homofobia, sem violência, sem a intolerância dos fundamentalismos religiosos. Um mundo pleno de autonomia, dignidade e prazer.
2012-06-14 » alantygel
14 junho 2012 @ 8:14
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