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Site do boletim do MST do Rio de Janeiro

Eldorado dos Carajás, 15 anos depois, continuamos a nos perguntar até quando?

quarta-feira 6 abril 2011 - Filed under Notícias do Brasil

Por Guilherme Gonzaga – MST

Oziel era ainda um jovem, apenas 17 anos, já líder do acampamento da fazenda Macaxeira, quando em 17 de abril de 1996, depois de capturado vivo pela tropa da PM do Estado do Pará, foi algemado e torturado, sendo obrigado a gritar “Viva o MST”, até ser assassinado com um tiro na cabeça. Por sua juventude e ousadia, Oziel, se tornou símbolo do Massacre de Eldorado dos Carajás, mas junto com ele foram tombados mais 18 companheiros, outros três morreram alguns dias depois, muitos continuam mutilados e outros ainda com traumas psicológicos desse ato criminoso, covarde e irresponsável dos governantes brasileiros.

Eldorado dos Carajás não foi o único massacre da luta pela terra no Brasil. Indígenas, quilombolas, escravos, pequenos agricultores, posseiros contam inúmeros massacres de uma triste história escrita com sangue dos que ousando dizer não, gritam pela vida e são calados pelos aços das balas.

Na década de oitenta do século XX já nos perguntávamos “até quando?”, nos referindo aos assassinatos de trabalhadoras e trabalhadores rurais. Infelizmente continuamos nos perguntando, até quando? Os massacres de Corumbiara, Eldorado, São Felisburgo e outros do campo somam-se aos da Candelária, Cidade de Deus, Acari, Vigário Geral e tantos outros no Rio, em São Paulo, Salvador etc.

A resposta do Estado brasileiro às reivindicações e lutas dos pobres, invariavelmente, é a violência. Aprendemos com nosso Mestre Florestan Fernandes, que as elites governantes desse país têm medo do povo, por isso reagem com violência. Em outros países, nos ensina o Mestre, a democracia foi fundamental para o desenvolvimento do capitalismo; no Brasil a luta pela democracia é uma luta contra o capitalismo. A direita brasileira não admite nenhuma democracia, nem mesmo a burguesa; a direita tem medo do povo, não cede, ela é violenta e intolerante.

A resposta às reivindicações da Reforma Agrária seguem esse “padrão” de nossa história. Os trabalhadores e trabalhadoras reivindicam a partilha da terra e recebem como resposta a inoperância do INCRA e a violência das polícias. Assim foi com as famílias do acampamento da fazenda Macaxeira. Cansados de esperar, sendo ignorados pelo Estado, resolveram se movimentar, pondo-se em Marcha. A intenção era chegar em Belém e cobrar das autoridades o assentamento das famílias acampadas, cestas básicas, escolas para as crianças e coisas que deveriam ser direito de todos e todas.

Após alguns dias de caminhada, na rodovia PA-150, próximos a Eldorado dos Carajás, sul do Pará, resolveram fechar a rodovia para forçar uma negociação para que o Governo Estadual cedesse ônibus e caminhões de forma que pudessem acelerar a chegada à Belém. A tropa da PM foi chamada e iniciou-se uma negociação, onde o compromisso do MST era desbloquear a Rodovia, após o que seriam enviados os ônibus.

A rodovia foi desbloqueada, mas os compromissos do Governo não foram cumpridos. Ao contrário, a PM do Pará acurralou os companheiros e companheiras que lá se manifestavam, e armados com fuzis, metralhadoras e outras armas de grosso calibre, os PMS iniciaram a chacina, que terminou como o maior massacre de trabalhadores e trabalhadoras na luta pela terra no Brasil.

15 anos depois…

Um pequeno bilhete ao Jovem Oziel:

Meu caro amigo me perdoe, por favor
Se eu não lhe faço uma visita
Mas como agora apareceu um portador
Mando notícias nessa fita…

Oziel,
Sentimos sua falta, são quinze anos, sem sua presença, sem te ver comandando assembléias, sem ver seus gritos de ordem, sua animação nos momentos mais tensos, sua dedicação aos estudos.

Assumimos um compromisso com a memória dos companheiros que tombaram no Massacre de Eldorado dos Carajás, todos os anos no mês de abril, promovemos jornadas de luta pela Reforma Agrária. É uma forma de vingar o assassinato de vocês e ao mesmo tempo de ressuscitá-los. Sentimos sua presença a cada grito de “Viva o MST” que ouvimos e bradamos nas ocupações de terras, cada vez que plantamos uma árvore, que cortamos uma cerca, que cantamos nosso hino, a todo o momento que fazemos viva a luta do povo, em todos esses momentos te fazemos vivo.

Mas, companheiro a luta continua, e os desafios crescem. 15 anos se passaram e nada, ninguém punido. Muitas famílias ainda aguardam a sempre prometida (e nunca cumprida) Reforma Agrária. Ainda precisamos fechar Estradas, fazer Marchas, etc, e não é raro os enfrentamentos com as polícias.

Infelizmente, Oziel, Eldorado não foi o último massacre. Depois aconteceram outros, e continuamos a nos perguntar até quando? A área plantada com monocultura de soja e eucalipto cresceu muito, enquanto a área plantada de alimentos continua encolhendo, proporcionalmente à de pastagens e outras culturas. Os recursos continuam desiguais, para a Reforma Agrária uma mixaria, para o agronegócio os milhões, bilhões do BNDES. Essa é uma das razões pelas quais sempre ocupamos o Banco. Esse ano mesmo, Oziel, as mulheres do MST do Rio, junto com outras organizações, nos deram uma lição e o ocuparam.

Oziel, estamos vivendo uma crise alimentar grave. De um lado a redução da área plantada, principalmente, nos países cuja economia é dependente e controlada pelos grandes “centros”. Trata-se, Oziel, de uma nova geo-política da fome, determinada pela ganância das multinacionais, pelos mega-impérios do agromercado, pelos subsídios comerciais das nações coloniais e pelo controle da agricultura pelas industrias, em especial, as agro-petroquímicas que colocam a agricultura e, portanto, a produção de alimentos, a reboque dos preços do petróleo e seus derivados.

Isso, por um lado tenciona os preços, por outro lado o poder aquisitivo médio da população vem caindo. Resultado: risco de uma explosão de fome. Em países como Egito, Líbia e outros, essa crise e outras provocam gigantescas manifestações populares.

Por aqui, Oziel, no Brasil, estamos em mais uma jornada de lutas, que depois do Massacre de Eldorado dos Carajás, ficou nacionalmente conhecida como Abril Vermelho. Esse ano, além de ações cobrando agilidade na execução da reforma agrária, protestando contra os cortes no orçamento que atingem diretamente a reforma agrária, estamos denunciando, também, o absurdo uso de agrotóxicos nos alimentos. O Brasil é campeão de uso desses venenos, e produtos como Pimentão, Tomate, Morango e outros chegam as nossas mesas com muito mais agrotóxicos do que o permitido.

Essas lutas nos animam a manter a caminhada e histórias como a sua nos servem de guia. Nos dão a direção do caminho certo: não nos render. Não nos vendermos, não nos deixarmos cooptar, lutar sempre, arrancando conquistas para o povo.

Assim, meu caro, continuamos na luta.

Com carinho,
MST – RJ

Abaixo, leia a cronologia do processo dos envolvidos no Massacre de Eldorado de Carajás (fonte: http://www.mst.org.br/especiais/27/destaque):

Junho de 1996 – Início do maior processo em número de réus da história criminal brasileira, envolvendo 155 policiais militares. Em 10 anos, o processo ultrapassou as 10 mil páginas.

16 de agosto de 1999 – Primeira sessão do Tribunal do Júri para julgamento dos réus em Belém, presidida pelo juiz Ronaldo Valle. Foram absolvidos três oficiais julgados – coronel Mário Colares Pantoja, major José Maria Pereira de Oliveira e capitão Raimundo José Almendra Lameira. Foram três dias de sessão com cerceamento dos poderes da acusação, impedimento da utilização em plenário de documentos juntados no prazo legal, permissão de manifestações públicas de jurados criticando a tese da acusação e defendendo pontos de vista apresentados pela defesa.

Abril de 2000 – O Tribunal de Justiça do Estado do Pará determinou a anulação do julgamento, decisão mantida em um segundo julgamento, em outubro de 2000. Antevendo a anulação do julgamento, o juiz Ronaldo Valle solicitou o afastamento do caso. Dos 18 juízes criminais da Comarca de Belém, 17 informaram ao Presidente do Tribunal de Justiça que não aceitariam presidir o julgamento, alegando, na maioria dos casos, simpatia pelos policiais militares e aversão ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e aos trabalhadores rurais.

Abril de 2001 – Nomeada uma nova juíza para o caso, Eva do Amaral Coelho, que designou o dia 18 de junho de 2001 como data para o novo julgamento dos três oficiais. Alguns dias antes do início da sessão, a juíza determinou a retirada do processo da principal prova da acusação, um minucioso parecer técnico da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com imagens digitais que comprovavam que os responsáveis pelos primeiros disparos foram os policiais militares. O MST reagiu e a juíza reviu sua posição, suspendendo o julgamento sem marcar nova data.

14 de maio a 10 de junho de 2002 – O julgamento foi retomado. Após cinco sessões, entre os 144 acusados julgados, 142 foram absolvidos (soldados e 1 oficial) e dois condenados (coronel Pantoja e major Oliveira), com o benefício de recorrer da decisão em liberdade. Em decorrência dos benefícios estendidos aos dois únicos condenados, as testemunhas de acusação não compareceram mais ao julgamento, em função de ameaças de morte e por não acreditar na seriedade do julgamento. Durante vinte dias, jornais do Estado do Pará publicaram detalhes sobre intimidações e ameaças de morte que estariam recebendo as principais testemunhas da acusação, principalmente Raimundo Araújo dos Anjos e Valderes Tavares. Nada foi feito em relação à proteção e salvaguarda de tais testemunhas. O MST não aceitou participar de um julgamento onde não estivessem sequer garantidas a segurança e a tranqüilidade das pessoas fundamentais para a acusação.
Novembro de 2004 – A 2ª Câmara do Tribunal de Justiça do Pará julga numa só sessão todos os recursos da defesa e da acusação e mantém a decisão dos dois julgamentos realizados pelo Tribunal do Júri, absolvendo os 142 policiais militares e condenando o coronel Pantoja (228 anos de prisão) e o major Oliveira (154 anos de prisão).

22 de setembro de 2005 – O coronel Pantoja é posto em liberdade por decisão do Supremo Tribunal Federal.

13 de outubro de 2005 – O major Oliveira é posto em liberdade por decisão do Supremo Tribunal Federal.

2006 – Recurso especial é apresentado ao Superior Tribunal de Justiça e, posteriormente, recurso extraordinário é apresentado ao Supremo Tribunal Federal.

Abril/2007 – A governadora do estado Ana Júlia Carepa assinou decreto que concede indenização e pensões especiais a 22 famílias de trabalhadores sem-terra vítimas da chacina. “O que eu fiz foi reparar uma injustiça, reconhecendo a responsabilidade do governo do Estado”, disse Ana Júlia. A governadora classificou o massacre de Eldorado do Carajás como “um dos episódios que mais envergonhou não só o Pará diante do Brasil, mas o Pará diante do mundo”.

Setembro/2008 – O governo de Ana Júlia Carepa promoveu os soldados que participaram do Massacre de Eldorado do Carajás. Entre 87 e 90 policiais foram promovidos a cabo. Apesar de todos os promovidos já terem sido absolvidos em primeira instância pela acusação de homicídio qualificado, ainda há um recurso no STJ (Supremo Tribunal de Justiça) que pede suas condenações.

2011-04-06  »  alantygel

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Re: Eldorado dos Carajás, 15 anos depois, continuamos a nos perguntar até quando?







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