20a Feira do Cooperativismo de Santa Maria reúne movimentos sociais no RS e reafirma os valores da Economia Solidária
segunda-feira 15 julho 2013 - Filed under Notícias do Brasil
por Alan Tygel, de Santa Maria
Cores, sabores, cheiros e movimentos. Comida, bebida, artesanato e luta. Brasil, America Latina e mundo. Foi essa a tônica durante os 4 dias da vigésima edição da Feira do Cooperativismo de Santa Maria, que terminou neste domingo (14) no Rio Grande do Sul. Mostrando que outro mundo é possível e outra economia já acontece, mais de 1000 empreendimentos expuseram seus produtos feitos através de processos de trabalho autogestionário. Sem patrão nem empregado, mostram que a construção de um novo paradigma passa necessariamente por uma reformulação do mundo do trabalho.
Este foi um ano especial para a feira de Santa Maria. Além de comemorar 20 anos de existência, o evento marcou ainda 10 anos do Fórum Brasileiro de Economia Solidária e da Secretaria Nacional de Economia Solidária, ligada ao Ministério do Trabalho. De acordo com os organizadores da feira, mais de 200.000 pessoas passaram pelo pavilhão, vindas de 27 países. Do Brasil, houve representação dos 26 estado e do DF, com 530 municípios presentes. Movimentos sociais indígenas, quilombolas, feministas, sem-terra e sem-teto estiveram no evento mostrando os frutos de sua luta.
Os jovens organizados no Levante Popular da Juventude também fizeram seu tradicional acampamento, que já acontece na feira há nove anos. Caio Paulista, um dos coordenadores, ressalta a importância das trocas de experiência que a feira proporciona. Neste ano, houve um recorde de participação: 600 jovens de todo o estado do RS vieram a Santa Maria para o evento:
– A feira é uma miniatura do mundo que queremos construir, do jeito que a gente quer que as nossas relações de troca se estabeleçam na sociedade que na sociedade socialista. O Levante se espelha muito na economia solidária porque eles estão alguns passos adiante na consolidação do projeto que eles também defendem, que é o mesmo projeto que a gente. Talvez por caminhos diferentes, mas é o mesmo projeto, e a gente quer chegar no mesmo lugar. Então acho que essa troca é fundamental: o levante consegue trazer a animação, eles trazem a experiência da organização da economia num outro formato diferente da do capital.
A agricultura familiar e a produção agroindustrial do MST também marcaram presença forte na Feira de Santa Maria. Das 23 regiões em que o movimento se organiza no RS, 5 estiveram presentes na feira, trazendo grãos, derivados de leite, doces, erva-mate, entre outros. Para Roberto, filho de assentados e trabalhador da cooperativa do MST em Tupanciretã (oeste do RS), a feira representa uma grande vitrine para o movimento:
– Além de divulgar nossa luta, é um momento de abrir novos mercados. Nossa cooperativa está industrializando o leite, mas Tupanciretã não é um grande centro consumidor. Por isso é importante botarmos os nossos produtos, que são conquistas da luta, na vitrine.
O Rio Grande do Sul possui cerca de 15.000 famílias assentadas, algumas já há 30 anos. O estado tem poucas famílias acampadas, cerca de 700, e há poucos dias realizou uma ocupação na fazenda Palermo, em São Borja, fronteira oeste. Roberto comemora o momento que o país vive:
– Quando tem povo politizado nas ruas, a transformação acontece. Hoje temos um governo que há anos atrás estava nas ruas, e hoje está no governo e não conseguiu fazer as transformações necessárias. Com o povo na rua, podemos acelerar esse processo. Mas a massa precisa caminhar para um lugar só. O movimento não é movimento se não tiver povo na rua.
Além do artesanato e da agricultura familiar, chamou a atenção a presença de bancos comunitários e clubes de troca. Vistos como alternativa ao uso do dinheiro corrente, e como forma de desenvolvimento local, esse movimento já conta com 81 moedas organizadas pelo Brasil. De acordo com Solange Mânica, do Banco Mate, as trocas remetem aos primórdios da humanidade quando não existia moeda e as pessoas viviam do escambo.
– Aqui a gente não envolve dinheiro. Fazemos tudo com o Mate, que é a moeda social. As pessoas trazem seus produtos aqui para a banca, a gente estipula um valor, por exemplo R$10. Então a gente dá 10 mates para poder trocar na banca e você ter um produto e vai trocar por outros. O Mate já existe há 9 anos, e as trocas funcionam em várias cidades do RS.
A 20a Feira de Santa Maria também foi um momento especial para o Fórum Brasileiro de Economia Solidária. No ano em que completou 10 anos de existência, a avaliação é de que a falta de um marco legal ainda é um dos principais entraves ao desenvolvimento desta forma fazer economia com base na autogestão. Katiúcia Gonçalves, do empreendimento Misturando Arte, participa dos Fóruns Gaúcho e Brasileiro de Economia Solidária. Para ela, a feira é um momento de muito importante para o movimento:
– Para nós, é um momento de encontro. Até julho, todos os fóruns estão se mobilizaram para trazer suas caravanas, mostrar seus produtos, participar do debates, e ajudar a construir essa outra economia que a gente já vem fazendo na nossa base. Então é um momento de muito aprendizado e de integração do movimento.
Ela destaca ainda o sentido que a economia solidária assume no contexto das crises atuais: “A economia solidária representa uma estratégia de desenvolvimento econômico, que mobiliza a grande massa e faz com que ela perceba que ela é o ator principal do processo produtivo. Ela faz com que o trabalhador se empodere na atividade de produção. Ela é o que o mundo precisa hoje: respeito às pessoas, ao meio ambiente, e o ser humano no centro do trabalho.
O encontro aprovou ainda uma moção de apoio à ANVISA para que leve adiante uma resolução que simplifique o processo de vigilância sanitária. De acordo com a nota, “esta iniciativa busca diferenciar, harmonizar e simplificar o cadastro e licenciamento, bem como isentar as taxas de registro de produtos e serviços dos Empreendimentos Econômicos Solidários. Esta iniciativa responde a uma necessidade dos grupos produtivos com práticas coletivas, que sofrem penalidades frente ao sistema de fiscalização que não as diferencia das grandes industrias e demais formas produtivas que não preservam a vida e não valorizam os/as trabalhadoras/es.” Veja a moção na íntegra.
A carta final do encontro reafirmou o sentido da economia solidária como projeto político em construção, que “valoriza o trabalho sobre o capital; democratiza as relações sociais; emancipa as pessoas de suas condições de opressão; transforma as relações políticas, econômicas, sociais e culturais, baseadas em valores como solidaridade, reciprocidadade e cooperação para o bem viver dos povos.” Veja a íntegra da carta.
2013-07-15 » alantygel
17 julho 2013 @ 16:48
[…] Alan Tygel, de Santa Maria publicada originalmente no site do MST […]