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Acampamento Marli Pereira da Silva: 5 anos de luta, lona e festa em Paracambi

segunda-feira 15 setembro 2014 - Filed under Notícias do MST Rio

por Alan Tygel, fotos de Daniel Barreiros

5 anos do Acampamento Marli Pereira da Silva. Foto: Daniel Barcelos

Na fria madrugada do dia 16 de agosto de 2009, 150 famílias ocuparam a Fazenda Rio Novo, no município de Paracambi, a 76 km da capital fluminense. O latifúndio, que plantava capim e promovia queimadas, já havia sido declarado improdutivo pelo Incra desde 2005.

Cinco anos depois, 20 famílias resistem na beira da estrada à espera da terra. E no último sábado (16), o acampamento Marli Pereira da Silva completou mais um aniversário debaixo da lona preta:

“Estamos no meio da rua, mas não é por isso que o povo vai ficar dentro do barraco de braços cruzados. A gente produz na beira da estrada mesmo, temos muita produção. Quem quiser ver, procura lá a comunidade Marli Pereira da Silva, que vai ver as fotos da nossa produção ao longo desses cinco anos. A gente compartilha os produtos aqui com a comunidade, e o trabalho é todo coletivo.”, afirma Áurea Andrea, coordenadora do acampamento.

A camponesa participou da ocupação desde o início:

“Eu vim do trabalho de base lá em Miguel Couto, na casa do seu Manel. Um dia, chegou uma notícia de que estavam dando terra, e eu sempre quis ter um sítio. Então eu pensei: oba, vou lá! Mas eu não sabia que era do MST. Chegando lá, vi nosso colega Cláudio Amaro com bonezinho vermelho, e pensei: epa, não vou entrar nisso não, fiquei com um pouco de medo. Mas ele foi falando da importância da luta pela terra, e eu fui me interessando cada vez mais. Tínhamos reuniões de 15 em 15 dias, e a gente ficava naquele suspense de onde ia ser a ocupação. Eu pensava que se fosse um lugar longe não poderia ir, e o interessante é que eu sempre quis morar em Paracambi, passava por aqui pra ir pra casa do meu vô, e achava um clima bom. E aí, sem querer querendo, a ocupação foi em Paracambi, no mês do meu aniversário. Nessa noite estava muito frio, a gente saiu de lá dia 15, mas só chegamos aqui no dia 16, porque tivemos que enrolar no meio do caminho. Esperamos no mutirão de Paracambi até a madrugada para fazer a ocupação. Viemos em dois ônibus com cerca de 150 famílias, e ocupamos a fazenda Rio Novo, aqui em Paracambi.”

5 anos do Acampamento Marli Pereira da Silva. Foto: Daniel Barcelos

Renato Baldez, outro coordenador do acampamento, produz abelhas e tem uma horta no local. Em sua pequena horta, é difícil contar a quantidade de espécies, entre árvores, hortaliças e adubo verde: “Chaia, moringa, tem produção que às vezes num grande sítio você não encontra. Minha intenção é trabalhar sempre com a biodiversidade, sempre ter um pouco de tudo. Quem olha isso aqui acha que está tudo sujo. Mas na realidade cada planta aqui tem sua importância, além de insetos como a joaninha. Ela não mata a planta, e come os pulgões. A gente tem que aprender a trabalhar com isso, fazendo o controle biológico e o manejo agroecológico. O controle biológico se faz plantando um pouco de tudo. A formiga é o que dá mais trabalho, a gente não tem um predador dela. O pulgão a joaninha come, o gafanhoto tem um passarinho que vem e come. Então existe esse controle biológico, é o mangangá que vem, a abelha, e um controla o outro, na cadeia alimentar. Quando tem descontrole, a gente tenta ver aonde o inseto está focando, e tiramos um pouco dessa planta, e com isso tiramos o excesso.”

Para ele, falta incentivo para agricultura familiar: “Muitas pessoas vem desistindo, por não ter incentivo. Mas desistir é a pior coisa a fazer, pois é assinar um atestado de assumir completamente o agrotóxico. Produzindo a nossa própria alimentação, a gente consegue eliminar o agrotóxico, ter uma alimentação mais saudável. E o mais importante, a gente não deixa a biodiversidade morrer.”

A produção do acampamento, além do consumo interno, é vendida regularmente na Feira da Roça de Nova Iguaçu. A Feira da Estadual da Reforma Agrária e a Festa do Aipim de Tinguá também recebem os produtos do Marli Pereira da Silva.

O processo de ocupação foi todo coordenado por lideranças femininas do MST. Por isso, o nome Marli Pereira da Silva foi uma homenagem à uma mulher guerreira, que nos anos 1980 ficou conhecida na Baixada Fluminense como “Marli Coragem”. Ela denunciou o sequestro e assassinato de seu irmão pela polícia militar. Após grande exposição do caso, precisou se esconder e nunca mais foi vista. Mesmo assim, seu filho de 15 anos foi assassinado em represália. Marli se encontra presente na luta das mulheres Sem Terra de Paracambi.

5 anos do Acampamento Marli Pereira da Silva. Foto: Daniel BarcelosUm mês após a ocupação, o acampamento sofreu um despejo, como conta Áurea: “No dia 16 de setembro, teve a reintegração. Foi muita polícia, muita tensão, mas não teve violência. Aí corremos aqui para a rua, sem estrutura nenhuma, começamos do nada, montamos as barracas, com família, criança, dormimos ao relento, no meio do mato, com cobra, uma friagem!”

Na época ainda vigorava a Lei XXX, decretada por Fernando Henrique Cardoso, que paralisava o processo de desapropriação de uma terra por 2 anos em caso de ocupação. A lei foi suspensa em XXX pelo governo Lula.

O trabalho de conscientização política ajuda os acampados a compreenderem o processo de luta pela terra como algo mais amplo do que apenas conquistar um pedaço de chão para plantar.

“Do dia da ocupação até hoje, em 5 anos, eu sempre participei dos cursos de formação. Com a formação que eu tive no MST, fiquei mais consciente ainda, e consegui fortalecer outros companheiros. Muitos desistiram, mas temos um grupo ainda bom, dos que estavam desde a ocupação. Passando um força para o outro, conseguimos estar aqui”, afirma Áurea.

Ela busca sempre mostrar que o acampamento é um espaço de estudo e trabalho: “Oferecemos aos nossos acampados que ainda não sabem ler o método cubano de alfabetização “Sim, eu posso!”. Estamos na luta, estamos na rua, mostrando isso para o povo que passa aqui. Eles falam que a gente é preguiçoso, vagabundo, que queremos roubar terra dos outros, mas estamos mostrando não é isso. Queremos produzir, ter uma boa qualidade de vida, e não comer venenos.”

Ela entende que o processo de luta pela terra exige firmeza persistência: “No começo a gente estava mais empolgado, tinha mais gente, muita criança, jovens, apoio. Hoje estamos fragilizados em número de famílias, porque muitos têm desistido por conta da demora no processo. As pessoas acham mais vantagem esperar em casa sendo assalariado do que vim lutar por terra.”

5 anos do Acampamento Marli Pereira da Silva. Foto: Daniel Barcelos

Mas não é isso que pensa Luzia Marques de Oliveira. Ela chegou no acampamento logo após a reintegração de posse, um mês depois da ocupação. Orgulhosa das suas rúculas e da bandeira que tremula em sua horta, ela na titubeia: “Não saio daqui de jeito nenhum. Tenho certeza de que vamos conseguir essa terra.”

Perguntado sobre quando isso vai acontecer, Renato Baldez não tem dúvidas: “O mais breve possível! Infelizmente os governantes ficam muito focados no agronegócio, no que dá muito dinheiro. Eu acredito muito na agricultura familiar, uma forma de trabalho mais junto com a natureza, mas infelizmente isso não dá resultado pra eles. Eles só querem a monocultura, essa estrutura monstruosa que vem engolindo a gente, infelizmente.”

E alerta: “Eles esquecem que isso um dia para de produzir. Porque aonde você bota só uma coisa, um dia não vai dar mais nada, não vai mais ter água para irrigar. Alguns estados estão proibindo a soja da entressafra, por conta da quantidade de praga e venenos que estão jogando em cima que não está dando conta. Cada quantidade de veneno que eles botam, as pragas vêm mais resistente ainda. Isso é um círculo vicioso que infelizmente tá levando todo ser humano e nossa terra à ruína.”

Com esperança na conquista da terra e no desenvolvimento através da agroecologia, Áurea já planeja: “Nesse período muitos foram embora, mas fomos fazendo trabalho de base e convidando outras famílias pra sempre manter o acampamento. Estamos confiantes. O fazendeiro plantava só capim, desmatou tudo, fez queimada. Mas ainda tem uma reserva pra fazermos uma agrofloresta quando o assentamento sair.”

Áurea vê melhoras a cada ano no acampamento. Mas para ela, o dia da conquista da terra não pode demorar mais: “A nossa vontade não é ficar comemorando 5, 6, 10 anos na estrada. A gente quer comemorar é ali dentro da fazenda.”

Veja matéria sobre a ocupação publicada no jornal Inverta: http://inverta.org/jornal/edicao-impressa/448/movimento/marli-pereira-da-silva-campo-e-cidade-unidos

A história de Marli Pereira da Silva (o nome está incorreto nesta matéria) http://mulheres-incriveis.blogspot.com.br/2013/07/marli-pereira-soares.html

E notícia no dia do despejo: http://passapalavra.info/2009/09/11925

2014-09-15  »  alantygel

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  1. Boletim 59 | Boletim do MST Rio
    15 setembro 2014 @ 12:30

    […] Acampamento Marli Pereira da Silva: 5 anos de luta, lona e festa em Paracambi […]

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Re: Acampamento Marli Pereira da Silva: 5 anos de luta, lona e festa em Paracambi







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